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Trancadas em caixas com cobras e deitas sobre pregos: a vida das faquiresas

Rodrigo Casarin

26/08/2015 10h54

 

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Moças bonitas, sensuais, que jejuavam durante semanas, ficavam trancadas com cobras em caixas de vidro e deitavam-se sobre camas de pregos. Em uma época na qual as mulheres sofriam preconceito por seguir carreiras como de atriz ou cantora, as faquiresas chocavam o Brasil da primeira metade do século 20 com suas transgressões apresentadas em circos.

A história de onze dessas moças que contribuíram para a emancipação feminina acaba de ser contada no livro "Cravo na Carne", de Alberto Camarero e Alberto de Oliveira, que encontraram bastante resistência dos herdeiros e familiares das artistas para que pudessem reconstruir suas trajetórias. "O faquirismo sempre foi considerado uma arte marginal, até dentro do próprio meio circense", diz Camarero buscando razões para explicar a resistência com a qual se depararam. Veja a conversa que tive com o coautor.

O que lhes motivou a resgatar a história das faquiresas?

Em um primeiro momento, nosso grande objetivo era descobrir o paradeiro da faquiresa Verinha e também encontrarmos maiores informações sobre sua carreira artística. Essa busca nasceu da minha história pessoal, assisti Verinha jejuando em Campinas em 1958, aos oito anos de idade, e nunca pude esquecê-la.

Conforme pesquisávamos sobre a Verinha, fomos nos deparando com as outras faquiresas e suas histórias de vida – trágicas, divertidas, dramáticas, inspiradoras, heroicas e também anti-heroicas. Depois de um ano juntando esse material por pura paixão, percebemos que isso tinha potencial para se tornar um livro e passamos a realizar nossa pesquisa de forma mais apurada.

A memória dessas mulheres merece ser resgatada não apenas pela originalidade da escolha profissional e artística que elas fizeram, mas também porque falar em faquirismo, principalmente na modalidade feminina, traz à tona uma porção de questões – de gênero, religiosas e também no campo das artes, uma vez que essa prática dialoga com o que hoje se chama de performance e também pode ser considerada como parte de uma possível pré-história da contracultura nacional.

Quais foram as maiores dificuldades que vocês encontraram? Por que muitas fontes não queriam falar sobre o assunto?

Uma das maiores dificuldades encontradas ao longo de processo de pesquisa foi o fato de que as exibições das faquiresas e a própria existência delas são lembradas por poucas pessoas. E em quase todos os casos em que encontramos pessoas que se lembravam delas, na maior parte das vezes seus descendentes, esses não queriam falar sobre o assunto ou mesmo nem sabiam que tinham tido uma antepassada faquiresa. Esse tema ainda é um tabu para a maior parte das famílias que procuramos.

Exibir-se como faquiresa era um grande desacato contra a moral da época e a sociedade preconceituosa de então. Além disso, o faquirismo sempre foi considerado uma arte marginal até dentro do próprio meio circense. Esse estigma permanece, mesmo tanto tempo depois. Verinha, a única faquiresa que encontramos viva, não aceita falar sobre o assunto, pois ela própria parece ter absorvido o julgamento moral que os outros faziam dela na época.

De alguma forma essas mulheres contribuíram para e emancipação feminina?

Com certeza, ainda que isso não seja perceptível tão explicitamente hoje em dia. Na época em que elas realizavam suas exibições, muitas vezes se falou na importante contribuição que elas davam ao feminismo com a transgressão de se equipararem ao homem também na arte do jejum. O fato é que é incalculável, atualmente, a importância do corajoso passo dessas mulheres ao entrarem em suas urnas e iniciarem suas provas, visto que estando expostas à vista de toda a sociedade de uma época, serviram, certamente, de inspiração e exemplo para muita gente, entre as quais muitas mulheres.

As faquiresas podem ter seus nomes incluídos junto a tantas mulheres pioneiras em diversas categorias que contribuíram para a emancipação feminina, sem dúvida alguma.

O que mais lhes surpreendeu ao longo das apurações?

Muita coisa foi surpreendente para nós. Entre elas, o esquecimento quase absoluto em que caíram essas mulheres e todo o universo do faquirismo feminino. Tendo tido tanto destaque em alguns períodos no Brasil, o que teria feito com que a figura da faquiresa fosse praticamente apagada da memória coletiva?

Algumas imagens das faquiresas:

03 - Suzy King

Mara - 02

Rossana - 02

Zaida

Título: "Cravo na Carne"
Autores: Alberto Camarero e Alberto Oliveira
Editora: Veneta
Páginas: 296
Preço: R$49,90

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.