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Acha que o Brasil é o pior país do mundo? Leia “Asco"

Rodrigo Casarin

05/08/2015 10h38

Asco

Virou algo comum ouvir pessoas dizendo que o Brasil é o que há de pior no mundo. Para essa gente, aqui é o lugar que lidera qualquer ranking de coisa negativa. País mais corrupto? Brasil. Mais violento? Brasil? Com mais bandidos? Brasil. Com pior governo? Brasil. Piores estradas? Brasil. Pior povo? Brasil.

Normalmente o chorume vem acompanhado da manifestação do desejo de largar o país. Sonham com uma vida nova nos Estados Unidos, mas às vezes cogitam o Canadá ou algum outro canto no oeste ou extremo norte da Europa, e aí você começa a entender porque olham para o Brasil de modo tão negativo: para essas pessoas, todo resto do mundo não passa de uma dúzia de países.

Esquecem de praticamente toda Ásia, esquecem de praticamente toda África, esquecem de qualquer lugar da Oceania que não seja a Austrália e a Nova Zelândia, esquecem do leste Europeu e, principalmente, esquecem de toda América Latina.

Recomendo veementemente que essa gente leia "Asco", de Horacio Castellanos Moya, livro que íntegra a coleção "Otra Língua" – sobre a qual já falei aqui -, da Rocco. A obra é uma novela breve, com menos de 90 páginas, mas de uma força brutal. Nela, o intelectual Edgardo Vega, que vive exilado no Canadá, precisa retornar a El Salvador, seu país natal, para tratar de toda a burocracia que sucede a morte de sua mãe.

A narrativa que temos em "Asco" é o ininterrupto desabafo de Vega a um amigo, enquanto tomam uísque em um bar qualquer da capital San Salvador. Tal qual muitos brasileiros de hoje, o intelectual tem nojo extremo de seu país. Não suporta os políticos, não suporta a cerveja vagabunda que chamam de pilsen, não suporta o fato de ninguém estudar história ou artes, apenas administração, não suporta que vejam militares como um exemplo a ser seguido, não suporta a maneira como as pessoas se relacionam, sequer suporta as típicas pupusas. Para o personagem, qualquer lugar do mundo é melhor que o país. Familiar, não?

Nascido em Honduras, Moya, o autor da novela, mudou-se para El Salvador aos quatro anos de idade e, em 1979, tal qual Vega, exilou-se no Canadá. Sua mudança, no entanto, aconteceu por conta da delicada situação política do país da América Central no final da década de 1970, não por asco generalizado. É importante não confundir o escritor com seu personagem, o que aconteceu logo depois do lançamento do livro, em 1997, e valeu ameaças de morte de salvadorenhos a Moya.

Mal sabiam que "Asco" é apenas um exercício no qual o autor reproduziu, colocando o seu país no cerne da questão, o que o holandês Thomas Bernhard fez em "Extinção" – que tem a Áustria, lugar que Bernhard escolheu para viver, como o pior canto que há. Sim, a Áustria! Com o recorte certo, com um olhar enviesado e atento somente ao que de podre existe, qualquer país pode ser o pior do mundo, não apenas El Salvador. Não apenas o Brasil.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.