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A carta de Mario de Andrade, preconceitos e os gênios gays da literatura

Rodrigo Casarin

19/06/2015 12h16

 

mario

Então o Mario era mesmo gay. Todo mundo já sabia o conteúdo da parte mais importante da carta escrita em 1928 e endereçada a Manuel Bandeira que foi aberta pela primeira vez ao público ontem. Ainda que de forma indireta, Mario de Andrade fala sobre a sua homossexualidade. Eis um trecho:

"Si agora toca nesse assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui a sair sozinho comigo na rua (veja como eu tenho a minha vida mais regulada que máquina de pressão) e si saio com alguém é porque esse alguém me convida, si toco no assunto é porque se poderia tirar dele um argumento pra explicar minhas amizades platônicas, só minhas".

Há tempos que os estudiosos da obra e da vida de Mario já cravavam essa opção sexual, que, pelo visto, causava – ou ainda causa? – incômodo em sua família, acusada de barrar biografias sobre o escritor justamente para evitar falar de sua homossexualidade.

Supondo que essa acusação, difundida por muitos que tentaram se aprofundar e revelar a vida íntima do autor de "Macunaíma", seja verídica, o que temia a família? Será que achavam que tal opção diminuiria o gênio? Isso seria de um preconceito e de uma discriminação indignos dos herdeiros de alguém tão brilhante.

Uma pena que Mario não tenha assumido sua opção em vida, mas não o condeno – longe disso, aliás. Cada um tem o direito de decidir as bandeiras que deseja defender publicamente. Além disso, na época em que vivia, sem dúvidas seria execrado pelas "pessoas de bem", pelos defensores da "família tradicional" – algo que não seria muito diferente hoje, quando vemos cada vez mais exemplos de intolerância aos homossexuais, diga-se.

Na literatura, Mario encontra companheiros de extremo respeito se resolvermos alinhar escritores de acordo com sua orientação sexual. O primeiro que me vem à cabeça é ninguém menos que Oscar Wilde, o dande irlandês autor do clássico "O Retrato de Dorian Gray". Wilde chegou a ser preso por se relacionar com outro homem. Da cadeia escreveu a carta que, mais tarde, viraria o livro "De Profundis", obra pungente na qual expõe seus sofrimentos e discute as hipocrisias da sociedade.

A mesma sociedade que torceu o nariz para outros grandes nomes por conta de sua orientação sexual. Tomas Mann, que escreveu o clássico "A Montanha Mágica", era gay. Marcel Proust, um dos escritores mais importantes do século 20, autor de "Em Busca do Tempo Perdido", era gay. André Gide, Nobel de Literatura de 1947, era gay. Federico Garcia Lorca, um dos maiores poetas espanhóis, era gay. Bem como Arthur Rimbaud, dono de uma das biografias mais impressionantes da literatura, outro poeta de respeito, outro gay. Truman Capote, de "A Sangue Frio", era gay. Entrando nas especulações, há quem diga que Shakespeare e Agostinho, depois transformado em santo, também eram gays.

Gênios e mais gênios homossexuais. O que isso quer dizer? Pouco. Pouco para quem se interessa pela arte em si, ao menos. Agora, para quem acha que alguém pode ser menor devido a sua orientação sexual, talvez ver o quanto esses caras contribuíram para a humanidade seja um caminho para rever os conceitos obsoletos.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.