Topo

Biografias: cada um é o protagonista, não o dono de sua história

Rodrigo Casarin

11/06/2015 11h41

O Superior Tribunal Federal liberou que se façam biografias não autorizadas no país. O processo para se chegar ao que vimos ontem foi longo, rendeu bastante discussão e posições vexatórias de celebridades que outrora eram plenas defensoras da liberdade. O resultado apenas consagra o óbvio, mas, ainda assim, merece ser comemorado.

Não vou entrar em meandros legais, quase toda a discussão foi baseada nisso, principalmente na liberdade de imprensa e de expressão. A questão essencial, para mim, é que ninguém é dono de uma história. Sim, você que está lendo, não é o dono de sua história, somente o protagonista dela. E olhe lá. Há casos de pessoas que sequer são protagonistas de sua própria vida, mas deixemos isso para depois.

Uma biografia é apenas uma possibilidade de representação da história de vida de uma pessoa, não a vida em si. Longe disso, aliás. Quando um biógrafo sério se debruça sobre seu biografado, ouve dezenas, quando não centenas, de versões de uma mesma história. Todas elas podem ter sua verdade e, ao mesmo tempo, conflitarem, dependendo do ponto de vista dos entrevistados. Por mais que o protagonista seja o mesmo – o biografado –, as histórias que o constitui jamais serão exatamente iguais para todo mundo.

A versão do protagonista, aliás, é quase sempre um tanto deturpada. Trabalhei durante quatro ou cinco anos em uma editora que fazia biografias e livros de memória empresarial sob demanda. Alguém contratava o serviço e escrevíamos a trajetória da pessoa ou da empresa. Ouvíamos bastante gente para que pudéssemos criar nossa própria versão da história. Ao lerem o texto, impressionava como os contratantes se surpreendiam ao ver que diversas passagens eram, para os outros, algo muito diferente do que eram para eles. Não entendiam que a história não lhes pertencia, ainda que quisessem criar uma "versão oficial" para ela.

Ao final, como diz o professor Sergio Vilas-Boas, estudioso do assunto, uma biografia nada mais é do que uma versão do biografado segundo seu biógrafo. Ou seja, não é a vida do biografado, mas uma visão sobre ela. Por isso que é essencial que grandes figuras tenham diversas biografias, para que haja visões diferentes sobre suas vidas, para que as diversas histórias possíveis sobre essas vidas sejam contadas. Por isso que falar de biografia definitiva é um engodo, sempre há novas possibilidades, novos pontos de vista, abordagens originais – e há ainda a questão estética do texto, que abre um novo universo de alternativas.

Biógrafos, aproveitem! Biografados, vocês também podem contar as suas próprias versões de suas histórias. O que não pode existir é censura prévia. O que não existe são donos da história. Histórias reais não são propriedade privada de ninguém.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.