"Livro mais polêmico do ano", novo de Houellebecq é atual, não visionário
Após os ataques ao jornal francês Charlie Hebdo no início deste ano, muito se falou sobre o novo livro de Michel Houellebecq, "Submissão", que, de alguma forma, profetizaria situações como aquela. A divulgação e o lançamento da obra chegaram a ser suspensos e o escritor parou de conceder entrevistas, a fim de evitar novos ataques ou qualquer tipo de mal entendido. Agora, cerca de quatro meses após o ocorrido, "Submissão" chega ao Brasil com a pompa – uma jogada de marketing da editora, na verdade – de "livro mais polêmico do ano".
Antes mesmo de tudo o que envolveu seu novo trabalho, Houellebecq já era uma figura bastante controversa. Já tinha dito que o islamismo é "a religião mais idiota do mundo" e fora acusado de copiar trechos da Wikipédia francesa em uma de suas obras. Ao mesmo tempo, autor de títulos sempre provocativos como "Partículas Elementares" e "Possibilidade de Uma Ilha", é tido como um dos maiores escritores contemporâneos.
Em "Submissão", o centro da narrativa, que se passa na França de 2022, está no pouco empolgante cotidiano de François, um professor universitário acomodado em sua carreira e acostumado com seus breves relacionamentos amorosos. Entretanto, François tem sua vida modificada por um evento maior: nas eleições para o governo de seu país, a Fraternidade Muçulmana, liderada pelo candidato "moderado" Mohammed Ben Abbes, desbanca o partido de extrema direita no segundo turno e assume o comando da França.
Antes mesmo do partido islâmico vencer as eleições, o caos já havia se instaurado, principalmente em Paris. O exército tomava as ruas para tentar controlar subúrbios ensandecidos e "pessoas de bem" procuravam por lugares seguros onde pudessem aguardar os distúrbios terminarem. Mas isso se dá apenas em um primeiro momento. Terminada a corrida presidencial, logo os ânimos de acalmam e a vida começa a entrar nos eixos, ainda que novos.
O efeito prático imediato que a tomada de poder por parte dos islâmicos traz é diminuição do espaço das mulheres. Fica instantaneamente claro que o lugar delas é dentro de casa, servindo a seu homem e cuidando da família, salvo raríssimas exceções. Ao mesmo tempo, o governo religioso começa a dar uma nova cara à educação e à economia do país.
"Submissão" se passa em uma França futurista, mas o contato com o Brasil – e o mundo – atual é enorme; seria um erro lê-lo como um alerta do que pode vir, não como um retrato do que já somos. Vivemos um momento de extremos. Religiosos fanáticos, pessoas de extrema esquerda, de extrema direita, moderados… todos querem ter a razão absoluta, querem ver o país governado de acordo com os seus valores, convicções e interesses, sem se importar, dialogar ou sequer respeitar o que o outro pensa. Não me estenderei em exemplos, basta qualquer um olhar ao redor – ou em sua página do Facebook – para perceber isso. Aí está o grande mérito de Houellebecq: construir uma narrativa que serve de espelho para situações atuais das mais diversas.
O pior ainda está por vir, contudo. Apesar de, em um primeiro momento, mostrar certa preocupação com a nova realidade, não demora para que François comece a se habituar com os atuais donos do poder. Discute sua posição na faculdade, continua tocando sua carreira de intelectual e até se anima com a chance de ter três mulheres – logo ele, que não conseguia cativar sequer uma. O que há de assustador em "Submissão" não é a possibilidade de sermos governados por algum governo totalitário – qualquer um deles, religioso ou não –, mas a forma como logo nos acostumaríamos a ele, aceitaríamos suas imposições e entraríamos no seu jogo. Algo recorrente tanto na história do mundo quanto em nossas vidas privadas, diga-se.
Título: "Submissão"
Autor: Michel Houellebecq
Tradução: Rosa Freire D'Aguiar
Editora: Alfaguara
Páginas: 256
Preço: R$39,90
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