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Ricardo Lísias: “Gosto de molecagens, de vez em quando”

Rodrigo Casarin

23/04/2015 10h40

Foto: Fernanda Fiamoncini

Foto: Fernanda Fiamoncini

Ricardo Lísias causou bastante barulho depois de lançar o romance "Divórcio", em 2013, no qual relatava o doloroso processo de separação de um personagem chamado exatamente Ricardo Lísias – muitos o acusaram de expor em um livro tudo o que havia se passado em sua própria separação. Agora, Lísias, o escritor, volta com uma nova obra: "Concentração e Outros Contos", no qual reúne 16 narrativas breves escritas ao longo de sua carreira, quase todas elas já publicadas em outros livros ou veículos.

A exceção é o conto "Autoficção", até então inédito, no qual o autor parece dar uma resposta à imprensa. Por meio da história de uma jornalista que acompanha o artista plástico Ricardo Lísias para perfilá-lo, critica a suposta imparcialidade e despersonificação do trabalho jornalístico. Ao final da narrativa, a jornalista transa com sua fonte e relata: "Seu pau imenso e poderoso entrava e saía da reportagem sem dó", causando um contraste entre o necessariamente pessoal ato sexual e a pretensa imparcialidade e distanciamento da "reportagem".

"Autoficção" é um dos pontos altos da obra, bem como a sequência de contos "Fisiologia da Memória", "Fisiologia do Medo", "Fisiologia da Dor", "Fisiologia da Solidão", " Fisiologia da Amizade", " Fisiologia da Infância" e " Fisiologia da Família". Ao longo dos textos, é possível perceber temas caros ao escritor, como a perda de identidade, a paranoia e o xadrez, presentes também em livros como "Anna O. e Outras Novelas", "O Livro dos Mandarins" e "O Céu dos Suicidas". Para falar dessa nova obra, o UOL conversou com Lísias.

"Concentração e outros contos" traz textos de diversos momentos da sua carreira. Por que reuni-los em uma só obra?

Meus contos estavam todos muito dispersos, alguns inclusive em lugares de pouquíssima circulação. Então resolvi juntá-los, até para me organizar um pouco, entender como está o meu projeto estético e começar a buscar novas saídas. Esse livro é uma espécie de balanço.

Você retrabalhou algum ou alguns dos contos? Releu ao menos? O que achou?

Os contos sofreram no geral pequenas modificações, quase que apenas para corrigir erros de edição. Reli todos. Acho que encontrei nesse conjunto uma possibilidade de expressão das questões que me importaram nesses 15 anos de literatura, mas tenho a impressão que sigo com elas por mais 15 anos, ao menos…

A sequência de "Fisiologias" é, ao meu ver, um dos destaques do livro. Em outras oportunidades, como em "Divórcio", o funcionamento do corpo também era importante para história. Qual papel ocupa o corpo, o funcionamento físico do humano, na sua arte?

O lugar do corpo me parece decisivo, por ser ele inclusive a única coisa que resta quando já perdemos tudo. Por outro lado, é o lugar do abrigo. Como ainda é no corpo que tudo ficou estruturado, resolvi elegê-lo como espaço privilegiado de expressão.

"Divórcio" esteve cercado de muitas polêmicas, principalmente com alguns jornalistas, que afirmavam que, em seu livro, você apenas retratava uma situação que havia ocorrido quando você se divorciou. Como ficou o seu relacionamento com a imprensa depois disso? Restaram muitas arestas?

Com exceção de pouquíssimos lugares, ou mesmo de nomes mais "desavisados", por assim dizer, minha relação com a imprensa cultural é hoje muito saudável. Devo dizer também, agora que a polêmica passou, que me parece que grande parte dos jornalistas gostou do livro. Eu ao menos recebi inúmeras respostas positivas a ele, vindas da imprensa, ao longo dos últimos meses.

concentracaoO conto "Autoficção" me soou como uma resposta ou um contra-ataque justamente às polêmicas que citei. Quais eram suas intenções com ele?.

Você tem a mais absoluta razão: gosto de molecagens, de vez em quando…

Para você, a discussão sobre a autoficção em seus escritos se tornou uma alavanca, uma assombração, uma chateação… o quê?

Muitas vezes, esse termo foi usado para despolitizar meu trabalho, sobretudo o romance "Divórcio". Além disso é um termo muito confuso, que me parece abarcar muitas definições diferentes. Acho algo muito facilitador.

O xadrez está muito presente em sua obra, o que ele significa para você? É possível, de alguma forma, relacioná-lo com literatura?

O xadrez e a literatura exigem planejamento, a manipulação de recursos muito finitos é um esforço de criatividade para criar algo original. São parecidos em alguns aspectos, de fato. Mas a literatura não é um hobby para mim, nem uma competição. Nisso, são muito distintos.

Em outro conto você fala de autores simplórios que não sentem a incompletude ao fazer literatura? Quem são eles?

São os que acreditam nos velhos clichês de sempre. Alguns acreditam até que vão narrar a própria experiência de vida, enquanto outros acreditam seriamente que a saída é contar uma boa história!

Você está tralhando em algo novo?

Estou nesse momento descansando de um romance. Para isso, escrevo um conto: "Fisiologia da idade". Quando sobra tempo, planejo um e-book. O romance deve sair no fim do ano que vem, ou em 2017.

Título: "Concentração e Outros Contos"
Autor: Ricardo Lísias
Editora: Alfaguara
Páginas: 272
Preço: R$39,90

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.