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Sem continuidade, boa participação do Brasil em Paris terá sido em vão

Rodrigo Casarin

23/03/2015 17h36

Estande francês apostando na divulgação da adaptação para HQ de

Estande francês apostando na divulgação da adaptação para HQ de "Dois Irmãos", de Milton Hatoum, feita por Gabriel Bá e Fábio Moon.

O Salão do Livro de Paris deste ano, que teve o Brasil como país homenageado, chegou hoje ao seu fim. Mais do que cravar se a participação brasileira no evento foi positiva ou negativa, é preciso compreender que a divulgação da literatura nacional no exterior depende de ações do tipo, mas também, necessariamente, da continuidade de um conjunto de iniciativas que vão desde a presença em feiras importantes – seja como nação homenageada, seja como expositor convencional – até o apoio às traduções de seus escritores e o auxílio na divulgação desses autores em terras estrangeiras.

Na França, o estande brasileiro esteve cheio em boa parte do tempo – a organização calcula que por lá tenham passado 60 mil pessoas ao longo dos quatro dias de evento. Se nas mesas de discussões entre os escritores – diversas delas completamente lotadas – o público aparentava ser majoritariamente formado por brasileiros, no espaço ao lado, onde livros de autores nacionais eram vendidos, a curiosidade dos franceses pelo que é produzido em nosso país tornava-se evidente.

Eram oferecidos 1.200 títulos diferentes, sendo que a Fnac, a livraria do local, antes de fechar o seu balanço estimava ter comercializado cerca de 8 mil volumes de obras em francês e português. Chama a atenção essas vendas serem lideradas por Machado de Assis, Milton Hatoum – um nome já bem conhecido por lá – e Paulo Lins, o que comprova que, internacionalmente, o Brasil tem potencial para ir além de Paulo Coelho e Jorge Amado.

Em outros estandes também era possível se deparar com autores nacionais e livros sobre o Brasil. Talvez isso seja um reflexo das 32 editoras francesas que já foram beneficiadas com o programa de tradução da Biblioteca Nacional. Nos últimos quatro anos, cerca de 80 livros brasileiros foram publicados na França.

Conversando com Mansur Bassit, diretor executivo da Câmera Brasileira do Livro (CBL), ele próprio disse o quanto esse auxílio é importante. "Independente da homenagem, a presença da literatura brasileira no exterior precisa que o programa de traduções prossiga". Indo além, disse que é necessário um planejamento melhor por parte do governo, para que haja uma continuidade nas ações. Lembrou que o país esteve na Feira de Bogotá como país homenageado em 2012, mas não voltou mais lá depois disso. "É melhor ter uma constância modesta do que uma forte presença esporádica".

Dentre as feiras essenciais para o cenário internacional, Bassit diz que o país não pode ficar de fora, principalmente, das de Guadalajara, Frankfurt e Bolonha, sendo que, recentemente, o Brasil também teve espaço de destaque nas duas últimas. Além disso, o diretor acredita que outros meios, como a divulgação acadêmica, podem ser uma boa via para a ampliação no estrangeiro da literatura nacional. "Veja o que a Argentina fez com Jorge Luis Borges ou o Julio Cortázar, eles começaram a falar primeiro para a academia", exemplifica, citando dois argentinos amplamente conhecidos no exterior e que ajudam em muito a abrir espaço para a literatura de nossos vizinhos

No momento em que o país vive uma crise política e econômica, difícil esperar que a verba destinada à cultura seja ampliada ou, ao menos, mantenha-se intocada. Contudo, ainda que haja uma redução do apoio financeiro vindo do governo – e, consequentemente, da iniciativa privada, provavelmente –, é essencial que o Brasil trace efetivamente uma firme estratégia para a divulgação de sua literatura e a siga independente de eventuais maus ventos. Caso contrário, ainda que boa, a presença em Paris – e Bogotá, e Bolonha, e Frankfurt – terá sido só uma festa.

Em Paris, para a cobertura do Salão do Livro, Rodrigo Casarin está hospedado a convite da rede Accor.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.