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O dia em que Edmundo pediu licença à Mancha Verde para jogar no Corinthians

Rodrigo Casarin

16/07/2019 10h15

Depois de uma passagem micada pelo Flamengo, onde em 1995 formou o decepcionante "ataque dos sonhos" ao lado de Romário e Sávio, Edmundo deixou o Rio de Janeiro para retornar a São Paulo. Já tinha feito sucesso com a camisa do Palmeiras poucos anos antes. Agora o seu endereço de trabalho não seria o Parque Antártica, mas o Parque São Jorge. Antes de fechar com o Corinthians, o Animal achou por bem procurar a Mancha Verde, torcida organizada palmeirense, para conversar sobre o seu futuro.

O papo foi com Paulo Serdan, então presidente da entidade, que não gostou do que ouviu. "Como assim, jogar no inimigo? Ao mesmo tempo, o gesto denotava um profundo respeito pelo clube e pela sua torcida. Ainda mais porque Edmundo deixou claro que sem a benção da Mancha não haveria negócio. Não fazia mesmo sentido colocar uma relação linda e autêntica no lixo, até porque Edmundo seguia morando em Perdizes, um dos bairros mais palmeirenses de São Paulo. Se fosse mesmo para o Corinthians queria ter certeza de que seguiria caminhando nas ruas sem ser importunado". No final, Serdan cedeu. Enfatizou sua insatisfação, mas liberou o atleta para atuar pelo rival. "O encontro terminou em lágrimas. O jogador saiu verdadeiramente comovido com a compreensão da torcida organizada".

Essa é uma das poucas passagens que se salvam em "Edmundo – Instinto Animal", perfil do jogador escrito pelo jornalista Sérgio Xavier, publicado há poucas semanas pela Seoman e de onde retirei as aspas do parágrafo anterior. E se salva com restrições, pois mesmo esse trecho do livro merecia uma profundidade maior. A superficialidade é uma das principais características da obra que promete contar a "história do mais ousado craque de futebol brasileiro", porém entrega ao leitor apenas uma revisão dos momentos marcantes da carreira do jogador pontuados por comentários do próprio Edmundo e adornados de generosa bajulação.

Poderia ser cômico, mas é constrangedor como as muitas confusões protagonizadas pelo Animal são tratadas no livro. A agressão a Sidrack Marinho, em 1993, vira uma mísera frase. O que o levou a ir além da reclamação e avançar contra o juiz? O que passou na cabeça naquele exato momento? E depois, quando já estava de cabeça fria? Não sabemos. Chute na câmera de um cinegrafista em Quito? É um "deslize". Tapa na cara do zagueiro do Vélez Sarsfield – seguido de um dos revides mais enfáticos e covardes já visto numa partida de futebol? É um "tapinha" em nota de rodapé. Soco na cara de um boliviano durante a Copa América de 1997, em La Paz? Só um "rápido e sutil gancho de esquerda". Apenas o acidente que deixou três mortos no qual Edmundo se envolveu em 1995 tem uma atenção maior. Ainda assim, a passagem parece escrita pelo advogado do atleta em parceria com seu assessor de imprensa.

Na ficha catalográfica, Sérgio Xavier aparece como autor da obra. Os direitos autorais, no entanto, são divididos entre ele e o próprio Edmundo. Ou seja, enquanto produto o livro pertence aos dois. Nesse caso, teria sido melhor se Sérgio, jornalista que assina títulos bons de ler (como "Boston – A Mais Longa das Maratonas", que já comentei aqui), ouvisse as histórias de Edmundo e as contasse em primeira pessoa, dando voz ao próprio jogador, recurso tantas vezes já utilizados em obras do tipo. O que temos aqui é praticamente um relato autobiográfico escrito em terceira pessoa. Seria mais justo com o leitor deixar claro que estamos diante da história de Edmundo estritamente sob sua ótica pouco crítica a si mesmo – sobre as presepadas, há no máximo um mea-culpa ou outro.

Não bastasse, a edição do texto ainda é problemática. Logo no começo, ao rememorar uma das partidas mais importantes da carreira de Edmundo, descobrimos que o Animal fez gols a seu favor tanto em Clemer, então goleiro do Flamengo, quanto em Carlos Germano, arqueiro do próprio Vasco defendido pelo atacante – é um equívoco, claro, todos os tentos foram em cima do goleiro rubro-negro. Algumas informações também se repetem praticamente da mesma forma em momentos diferentes do livro (a de que Evair e Edmundo não se davam bem fora de campo por conta das personalidades opostas, por exemplo).

Edmundo é alguém digno de uma biografia ou de um bom perfil biográfico? Inegavelmente. Mas merece um olhar crítico que consiga dar conta de toda a sua complexidade.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.