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Biografia de Suzane Richthofen tem pegada de Datena com romance e erotismo

Rodrigo Casarin

12/02/2020 09h41

A pegada de crime narrado por José Luiz Datena se manifesta logo na capa de "Suzane – Assassina e Manipuladora". A escolha das palavras e a foto da ficha da então jovem, presa aos 20 anos após matar pai e mãe com auxílio dos irmãos Cravinhos, fazem jus ao que encontramos no interior do livro escrito pelo jornalista Ulisses Campbell e apresentado pela editora Matrix como uma biografia da moça. A obra, entretanto, está mais para um livro-reportagem sobre o crime ou um extenso (e às vezes disperso) perfil que investiga a faceta sombria de Suzane von Richthofen.

Voltemos ao estilo, que em muitos momentos também me fez lembrar de Gil Gomes ou de qualquer outro apresentador desses programas sensacionalistas de final de tarde. Principalmente no começo do volume, Campbell faz questão de martelar na cabeça do leitor que estamos diante de uma celebridade carcerária. "Presa lendária" e "presa mais famosa do Brasil" são algumas das formas como Suzane é tratada. Descrições detalhadas não apenas do crime que ela cometeu, mas também de barbaridades feitas por detentas que cruzaram o caminho da "lolita" podem perturbar o leitor, bem como as fotos da reconstituição do assassinato de Marísia e Manfred von Richthofen.

Dias que não amanhecem, mas alvorecem; pessoas que não choram, mas "vertem lágrimas" e a profunda atenção a detalhes como a cor do portão de um presídio ("cinza-medieval e azul de ardósia todo malhado em chumbo maciço") também são boas amostras do que lemos ao longo do volume. Um "amor à primeira vista, daqueles inexplicáveis no campo racional" e gente tomada por "força inexplicável no plano terreno" indicam o tom sobrenatural que a narrativa adota em certos trechos. O circo da mídia no entorno do crime e, desde então, da figura de Suzane e a maneira como profissionais do sistema prisional utilizaram a detenta para se promover são aspectos interessantes da história e que poderiam ter sido explorados com mais calma pelo autor.

Ainda é grande o interesse de Campbell pelos momentos mais íntimos de Suzane, dos irmãos e de outros detentos que aparecem ao longo do livro, que ocasionalmente oscila entre o romance e o erotismo. "Daniel tirou a roupa de Suzane lentamente e despiu-se de corpo e alma. Beijaram-se longamente. Tomaram banho juntos. Suzane se jogou nos braços do namorado…", lemos numa passagem em que Suzane e Daniel Cravinhos estão no motel e começam a vislumbrar o assassinato. A cena do primeiro beijo do casal também dá uma ideia de como a narrativa caminha:

"Sentados lado a lado, face a face, Daniel e Suzane se conheciam cada vez mais e melhor dentro daquele carro de motor barulhento. A proximidade do rosto de Suzane fez Daniel ver de perto quanto ela era linda. E toda aquela beleza estava ali, à sua frente, ao alcance de um gesto. Vítima da timidez, não tomou qualquer atitude. O leve chacoalhar do carro antigo aliado à paisagem bucólica exibida pela janela fez Suzane adormecer com o rosto virado para o vidro. Daniel passou a apreciar o sono da sua princesa. O sol já estava posto, mas uma claridade frouxa persistia, proporcionando um lusco-fusco anunciando o anoitecer. Num rompante, Daniel pôs sua mão levemente sobre a dela, que descansava num espaço da poltrona entre eles. Ao se sentir tocada, Suzane despertou bem devagar, virou-se, ficou ainda mais próxima de Daniel e fechou os olhos estrategicamente. Já era noite quando ele finalmente criou coragem e deu o primeiro beijo na boca da garota. Foi um toque longo e afetuoso".

Sem conseguir entrevistar Suzane, o repórter saiu em busca de pessoas que conviveram com sua protagonista. Foram centenas de conversas ao longo de três anos, inclusive oito com Cristian Cravinhos, o outro irmão envolvido no crime. A inspiração jornalística óbvia, que Campbell assume nas primeiras páginas da obra, é "Frank Sinatra Está Refriado", perfil clássico que o jornalista Gay Talese escreveu após ouvir dezenas de pessoas próximas ao cantor, que também recusou entrevistas. E as semelhanças entre os trabalhos terminam aí.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.