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O que leva uma garrafa de vinho a custar 30 mil euros numa loja?

Rodrigo Casarin

31/01/2020 10h38

Em que pese o selinho indicando que o New York Times gostou (esse tipo de marca virou uma praga do nosso mercado editorial), "A História do Romanée-Conti – E a Trama Para Destruir o Melhor Vinho do Mundo" não é um grande título. O ocorrido que se arrasta ao longo do livro, uma recente ameaça aos principais vinhedos da lendária vinícola seguida de tentativa de extorsão, é interessante para uma matéria de fôlego, mas não sustenta uma obra de 232 páginas. Ou não sustenta um volume desses escrito pelo jornalista Maximillian Potter, ao menos, justamente o que foi publicado no Brasil pela Zahar em 2015.

A ideia de Potter, que em muitas vezes peca pelo deslumbramento, foi esticar ao máximo o caso policial, aproveitando-se de vários ganchos para fazer longas digressões e, com isso, contar a história do mítico Romanée-Conti e seus pares feitos no mesmo Domaine. No final, a trama central ficou tão diluída quanto um vinho vagabundo usado em alguma sangria. Pelo menos, prestando atenção em toda a história do vinhedo e sabendo olhar bem para algumas informações específicas transmitidas pelo autor, conseguimos ter uma boa noção dos motivos que levam o preço de alguns vinhos a assustarem até o bolso de Baco.

Atualmente, nesse campo, o Romanée-Conti é imbatível. Quando encontrado em alguma loja – o que é raro –, chega a custar quase que o quádruplo de outros vinhos de estirpe semelhante. Na Garrafeira Nacional de Lisboa, por exemplo, há garrafas do bichão na faixa dos 30 mil euros, enquanto por lá um Château Petrus sai por uns 8 mil euros. Sim, eu sei que o primeiro é da Borgonha e o segundo é de Bordeaux, mas os valores dão uma boa dimensão de como o Romanée-Conti está posicionado no mercado dos mililitros mais caros do planeta.

Os vinhedos do Domaine.

Foquemos na Borgonha e em parte do que pode ser aprendido com o livro de Potter. Plantam-se videiras nessa região no centro-leste francês desde que o Império Romano deu as caras por lá, um tempo antes de Jesus nascer. No primeiro século da era comum, vinheteiros já sabiam que a Pinot Noir era a melhor uva tinta para se cultivar na região, o que se mantém até hoje (para os brancos, quem reina é a Chardonnay).

Ao longo da história vieram outras generosas contribuições de gente interessada na grana que os vinhos rendiam ou no mero prazer de bebê-los. Foram alguns monges, por exemplo, que saíram pelos campos levando punhados de terra à boca para, depois da prova, delimitar onde terminaria um vinhedo e começaria outro, decisão primordial para se produzir vinhos de perfis bem distintos, ainda que venham de parreiras plantadas a alguns palmos de distância.

A macro-história também impacta na trajetória dos vinhedos da região, que passaram pelas mãos de reis, príncipes e outros tipos outrora empoderados, bem como precisaram sobreviver a guerras (as duas mundiais impactaram fortemente a Borgonha) e revoluções. "Enquanto ricos e pobres se esfregavam entre si nas ruas, o atrito econômico e religioso provocava faíscas que os meios de comunicação haviam ultimamente transformado em chamas. Ler tonara-se uma mania muito maior que a aristocracia francesa pensou que seria, ou melhor, esperava que viesse a ser. Pois ler significava educação e pensamento […]. Nos cafés e salões, membros letrados do Terceiro Estado bebiam o vinho 'comum' feito da uva Gamay e liam os jornais, panfletos e trabalhos de gente como Jean-Jacques Rousseau", escreve Potter, num trecho que destaco não só pela informação sobre a Gamay, que aprecio, e o clima pré-Revolução Francesa, mas também por conta do que ele diz sobre a leitura.

Junte todo esse passado (que ainda conta com dramas como a grande praga de filoxera, no século 19) ao inegável cuidado dispensado aos vinhedos no Domaine Romanée-Conti, a experiência da família transmitida de geração a geração e uma produção extremamente limitada de vinhos e começamos a ter um desenho do que leva uma garrafa do bichão a custar tanto. Ainda entram no jogo, é lógico, elementos caros ao mercado e alheios à bebida em si: marketing, ostentação, desejo dos ricaços por produtos exclusivos….

E se esses vinhos são bons? Acredito que sejam melhores do que o livro, mas, para ser sincero, não faço ideia. Nunca nem cheirei um deles. Agora, não sei se é pensamento de quem sequer vislumbra ter grana para um dia dar uma beiçada num Romanée-Conti, entretanto, me parecem vinhos que se prestam muito mais ao desejo do que à taça. Deixar o Romanée-Conti maturando na adega da fantasia pode ser muito mais prazeroso do que transá-lo no mundo real.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.