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Terra plana, nazismo de esquerda e outras formas de queimar livros

Rodrigo Casarin

13/11/2019 09h25

Pintura de Lucio Massari.

Acordei ontem com o alarde de que a biblioteca de Evo Morales, com cerca de 30 mil livros, tinha sido queimada. Anda difícil saber com precisão o que se passa na Bolívia, mas, pelo que tudo indica, a biblioteca do ex-presidente não ardeu em chamas. A do ex-vice presidente Álvaro García Linera, esta sim com seus 30 mil títulos, que estaria no alvo dos incendiários.

Fogueira acesa ou não, fato é que muita gente fica preocupada quando ouve falar nesse tipo de coisa. Há motivos. A queima de livros costuma acompanhar a ascensão de governos autoritários. Foi assim na Alemanha nazista, na União Soviética stalinista, no Brasil de Vargas, no Chile de Pinochet… "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas", escreveu o poeta alemão Heinrich Heine. É o maior clichê que temos sobre o assunto, mas, importante lembrar, foi cunhado por um homem da primeira metade do século 19, que morreu muito antes de todas as queimas e ditaduras aqui citadas.

Durante alguns milênios os livros foram os principais veículos para o registro e difusão do conhecimento, muito mais práticos e efetivos do que as paredes e tábuas de outrora. Por mais que no século 20 diversas mídias tenham surgido como alternativa para a propagação das ideias, o livro ainda é o maior símbolo do saber. Daí que dói tanto ver bibliotecas sendo queimadas: além de prenúncio de tempos sombrios, o ato não se resume à mera combustão de páginas e mais páginas, mas significa a perseguição ao conhecimento.

No entanto, por mais que me parta o coração ver churrasco de biblioteca, hoje presenciamos diariamente outras formas de queima de livros. Quando alguém diz que a Terra é plana, livros são queimados. Quando alguém afirma que o nazismo era de esquerda, livros são queimados. Quando alguém questiona a importância das vacinas, livros são queimados. Livros também são queimados por aqueles que colocam em xeque o aquecimento global.

Sempre que o conhecimento é desprezado, um livro é queimado, ainda que metaforicamente. Estejamos alertas, o horror é maior do que parece.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.