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Aceitar um corpo gordo ou lutar por medidas menores? HQ ajuda na reflexão

Rodrigo Casarin

19/07/2019 07h00

Quem em algum momento da vida passou por um processo de emagrecimento sabe como funciona a batalha. Primeiro você acha que só está gordinho. Depois, reluta em aceitar que a quantidade de gordura está se tornando preocupante. Resolve dar um basta. Corta um monte de coisas, testa dietas, procura nutricionistas (essa parte nem sempre, eu sei), caça algum exercício que seja agradável, priva-se de uma porrada de coisas. Acha que nunca mais poderá se empanturrar daquilo que gosta… Aí consegue perder um, dois, dez quilos. Recaída. Engorda um pouco. Volta pra linha. Mais cinco, oito, quinze quilos. Uma hora chega num peso que acha razoável.

Só que a balança desgraçada nunca aponta para os mesmos dígitos. Quer voltar a comer como antes, não pode. Engorda mais um pouco. Fica com peso na consciência. Puxa os números de novo pra baixo. Invariavelmente, em algum momento manda as calorias às favas e mergulha em todos os barris de cerveja e tonéis de vinho que encontra pela frente. Aproveita também para devorar peças gigantescas de gorgonzola, assar todas as fraldinhas do mundo e não fazer mais nenhuma refeição sem pão italiano e azeite. Assume que é gordo e volta a viver pelo prazer de comer e beber bem – e em quantidades momescas. Depois vem o peso não só na consciência.

Um tanto dessa luta está retratado em "Duplo Eu", HQ francesa escrita e roteirizada por Navie e ilustrada por Audrey Lainé que acaba de sair por aqui pela Nemo em tradução de Renata Silveira. Com pegada autobiográfica, na história acompanhamos a relação de Navie com seu corpo. "Que sentimento infernal esse de ter a impressão de nunca ser boa o suficiente. Está constantemente nas nossas cabeças, como um diabinho que nos sussurra: 'Você é só um merda'. Mas isso não nos impede de sorrir. Nem de fingir que está tudo bem. Manter as aparências é muito cansativo. Senti a necessidade de escrever este livro para mostrar a face oculta de um aparente bem-estar", reflete a personagem nas páginas iniciais.

Aos 30 e poucos anos e com 127 quilos distribuídos em 1,54 m, Navie se debate entre a pressão social, a aceitação, a autoimagem e os diferentes sinais relacionados à saúde – apesar dos exames de sangue não apontarem problemas, sabe que a obesidade mórbida é um inimigo ao mesmo tempo espalhafatoso e silencioso. "Não faz sentido tentar se curar quando não se sente doente. E eu, despreocupada, ignorava a situação…Meu lento suicídio. Eu devorava minha vida. Sem saber".

Em meio ao choque entre o fingir que leva uma vida completamente dentro dos supostos padrões de normalidade e a nítida necessidade de rever seus hábitos, Navie descobre a hiperfagia – "transtorno alimentar caracterizado pela ingestão excessiva de alimentos em um curto período de tempo" – e nota que vive como se tivesse sempre acompanhada de seu duplo, uma outra Navie que a impulsiona aos prazeres da comida. "Como se matar sem morrer?", pergunta-se num momento. "Se o diabo existisse. Se ele estivesse bem aqui. Se oferecesse me deixar magra… Em troca de que eu aceitaria?", pega-se pensando em outro.

A história segue um tom edificante, com reflexões construtivas e acolhedoras demais para o que esperamos da boa arte – sim, temos aqui um bom tanto de autoajuda, de jornada de superação e autoaceitação –, mas certamente será útil àqueles que se veem numa situação semelhante à da autora – falo como uma dessas pessoas.

Veja algumas páginas de "Duplo Eu" (clique nas imagens para ampliá-las):

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.