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E a Marta? Livro sobre história do futebol simplesmente ignora as mulheres

Rodrigo Casarin

14/06/2019 09h56

Em dezembro de 2015, a atacante Marta fez cinco gols em uma partida contra Trinidad e Tobago e se tornou a pessoa com o maior número de tentos na história da seleção brasileira, superando Pelé, até então dono da marca com 95 bolas na rede.

Em setembro de 2018, a mesma Marta foi eleita pela sexta vez a melhor jogadora de futebol do mundo, tornando-se a pessoa que mais vezes recebeu tal reconhecimento ao longo de toda a história do esporte.

Oficialmente, as mulheres disputam a Copa do Mundo desde 1991 e a oitava edição está acontecendo agora, na França. Até 2015, duas jogadoras detinham o recorde de participações em mundiais, com presença em seis torneios: a japonesa Homare Sawa e a brasileira Formiga. Novamente convocada para a competição deste ano, há poucos dias Formiga deixou a concorrente para trás e se tornou a pessoa que mais vezes disputou um mundial de futebol.

Ao longo da história, em quase todos os cantos do mundo as mulheres precisaram ralar bem mais do que os homens para que pudessem jogar bola. No Brasil mesmo, entre 1941 e 1979, uma lei assinada por Getúlio Vargas simplesmente lhes proibia a prática de tal esporte.

Juntando os grandes feitos já protagonizados pelas mulheres à trajetória cheia de tensão, preconceito e falta de apoio, torna-se incompreensível a escolha do jornalista Márcio Trevisan de não dedicar uma linha sequer ao futebol feminino em "A História do Futebol Para Quem Tem Pressa" (Valentina) – ironicamente, o livro chega aos leitores enquanto rola a Copa da França. É justo traçarmos a história ludopédica dispensando nomes como as já citadas Marta e Formiga, a norte-americana Mia Hamm, a alemã Nadine Angerer e a chinesa Sun Wen, isso apenas para ficarmos em alguns retumbantes exemplos?

Por e-mail, Trevisan me deu a seguinte explicação: "O maior desafio do livro foi contar uma história que começou há cerca de 2.500 anos em apenas 200 páginas – ou seja: o poder de síntese teve de ser total. Daí ter sido obrigado, infelizmente, a deixar de fora alguns temas ligados ao futebol, como por exemplo a modalidade feminina, todos os campeonatos regionais, brasileiros, sul-americanos e europeus masculinos das categorias de base (Sub-20, Sub-17, Sub-15), o Campeonato Brasileiro de Seleções Regionais, a Copa Mercosul etc."

Como o título evidencia, "A História do Futebol Para Quem Tem Pressa" é daqueles livros ligeiros, que se propõem a fazer um apanhado de informações e apresentar curiosidades que ajudam a criar um esboço de como algum tema se desenvolveu com o passar dos anos, mas sem entrar pormenores. Compreensivelmente encarando o esporte pela perspectiva brasileira, Trevisan discorre sobre as origens do jogo, a chegada dele ao Brasil, esquemas táticos, nossos campeonatos nacionais, Libertadores, Mundial de clubes, melhores jogadores e treinadores de todos os tempos…

Também olha, claro, para as "Copas que Perdemos", as "Copas que Ganhamos" e para as Olimpíadas. Oportunidades não faltavam para aqui ou ali lembrar de algumas craques e suas conquistas. Ou campanhas memoráveis de nossas mulheres, como os vices na Copa de 2007 e nas Olimpíadas de 2008, não são partes importantes da trajetória do nosso próprio futebol (e do futebol como um todo, consequentemente)?

Pensar em outros esportes nos ajuda a ter uma dimensão maior a respeito da escolha de Trevisan. Daria para imaginar um livro brasileiro sobre a história do basquete que simplesmente ignorasse Hortência, Paula e Janeth (ou, invertendo os polos, ignorasse Oscar)? Daria para imaginar um livro sobre a história da ginástica que não mencionasse Nadia Comaneci? No outro extremo, seria razoável traçarmos a história – breve ou não – da natação sem citar Michael Phelps? As respostas: não, não e não.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.