Topo

O Brasil é um país pacífico? Série sobre nossas guerras derruba essa balela

Rodrigo Casarin

12/06/2019 09h24

Certo dia alguém inventou um papo de que o Brasil seria um país pacífico e a ladainha se alastrou. Bom, basta colocar o nariz na rua das grandes cidades para notar quão truculenta é nossa realidade – até onde sei, a vida no campo não anda muito diferente. Nossa história também está recheada de episódios nada condizentes com a imagem de uma gigante nação feita de paz e amor. Há pouco mais de um ano, indiquei aqui no blog a exposição "Conflitos", com fotos retratando a nossa violência política entre 1889 e 1964. Agora, mais uma dica àqueles que desejam conhecer ou relembrar o lado pouco edificante de nosso passado: a série "Guerras do Brasil.doc", dirigida por Luiz Bolognesi, produzida pelo canal Curta! e disponível na Netflix.

A temporada de estreia traz cinco episódios de 26 minutos. Em cada um deles, especialistas de diversas áreas recordam, explicam, comentam e analisam diferentes conflitos que fizeram ou ainda fazem parte de nossa história. O primeiro é uma pedrada: "As Guerras da Conquista", que discorre especialmente sobre o choque entre europeus e indígenas após a invasão portuguesa. A trajetória de explorações e matanças que começa no século 16 e se alastra até nossos dias – basta ver as frequentes notícias de massacres a indígenas e as lutas de tribos para manter suas terras – ganha força especial ao ser encarada pela líder indígena e especialista em Educação Sônia Guajajara e pelo também líder indígena Aílton Krenak, que em julho lançará o livro "Ideias Para Adiar o Fim do Mundo" pela Companhia das Letras. No momento de maior tensão, Aílton mira o entrevistador e dispara: "Eu não sei por que você está me olhando com essa cara tão simpática. Nós estamos em guerra. O seu mundo e o meu mundo estão em guerra". O choque no espectador é certo.

No segundo episódio, "A Guerra dos Palmares", a batalha é a travada contra os negros, especialmente os quilombolas que lutavam pela liberdade na época da escravidão. Aqui o acerto de ter alguém profundamente envolvido com a questão se repete: os melhores depoimentos são os do quadrinista Marcelo D'Salete, autor de "Angola Janga" (Veneta), uma preciosa HQ sobre Palmares.

Quem me indicou a série foi o leitor Daniel Cerqueira. Ele também se empolgou com os dois primeiros capítulos, mas, usando outras palavras, contou ter dado uma brochada com os episódios seguintes. Entendo. Em "A Guerra do Paraguai", "A Revolução de 1930" e "Universidade do Crime", o documentário não perde a qualidade, mas deixa de lado a alta voltagem, a visceralidade que há em alguns momentos dos programas inaugurais. Por abrir mão de especialistas representando os subjugados, perde o sangue nos olhos. Restam apenas os intelectuais de voz mansa, como os ótimos historiadores Boris Fausto, autor, dentre muitos outros, de "Getúlio Vargas: O Poder e o Sorriso" (Companhia das Letras), e Mary del Priore, que assina títulos como , de "Festas e Utopias no Brasil Colonial" (Brasiliense) e a série "Histórias da Gente Brasileira" (Leya).

Desses três últimos episódios, meu destaque vai para o derradeiro: "Universidade do Crime". Sem entrar no mérito de se devemos ou não chamar de guerra nossos problemas de segurança pública, é fundamental que saibamos como nasceu o atual caos no qual estamos inseridos. No programa, em poucos minutos o espectador tem um bom panorama de como surgiram as facções criminosas que hoje acuam sociedade e Estado. E surgiram como uma resposta à truculência e ao descaso do próprio Estado, comprovando que a brutalidade e a desumanização contribuem diretamente para fomentar o ciclo de violência.

Há diversos outros conflitos que merecem ser explorados em outras eventuais temporadas: Canudos, Sabinada, Revolta dos Malês… Para quem se interessa pelo assunto, deixo aqui duas dicas de livros: "A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil", de Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias (Todavia) – em consonância com o último episódio dessa primeira leva de"Guerras do Brasil.doc" -, e o ligeiro "21 Batalhas Grandes Batalhas que Mudaram o Brasil", de Luiz Octavio de Lima (Planeta).

Você pode me acompanhar também pelo Twitter, pelo Facebook e pelo Instagram.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.