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Traições e orgias: livro de viúva detalha lado mulherengo de Pablo Escobar

Rodrigo Casarin

26/04/2019 10h34

Pablo e Victoria.

Conquistar mulheres e mais mulheres fazia parte da loucura por poder de Pablo Escobar. Mesmo casado, não via problemas em abandonar a esposa em festas para ter com outras garotas – também não ligava se essas garotas eram companheiras de seus empregados. Chegou a fugir de temporadas na cadeia para prontamente correr aos braços de amantes, ignorando a própria família. Em reuniões com colegas, pedia para que apagões fossem simulados, assim podia perder-se de sua mulher e se refugiar por alguns momentos no corpo de alguma outra convidada.

Podre de rico, gastava fortunas em baladas e mantinha um apartamento apenas para festas com suas amantes – no local, câmeras escondidas garantiam gravações dos momentos de intimidade sem que as moças desconfiassem disso. Ao longo de temporadas nos Estados Unidos, reunia poucos amigos e dezenas de mulheres em orgias que chegavam a durar quase 150 horas, com contas que em alguns casos ultrapassavam os 50 mil dólares – isso apenas com serviços e produtos do próprio hotel. Indo além das damas de ocasião, chegou a ter relacionamentos paralelos sérios e duradouros – o com Virginia Vallejo, por exemplo, foi um dos que se tornaram amplamente conhecidos.

Quem relata tudo isso é Victoria Eugenia Henao, viúva de Pablo Escobar, em "Sra. Escobar – Minha Vida com Pablo", que chegará aos leitores brasileiros em maio pela Planeta. "A abundância de dinheiro foi diretamente proporcional à sua corrida frenética para estar acompanhado por todo tipo de mulheres. Com umas ficava por diversão, porque lhe proporcionavam prazer e companhia; outras ele conquistou pelo mero interesse de favorecer seus negócios; e com outras manteve intensos romances porque estrategicamente eram fundamentais para ter acesso a segredos de Estado", relata a mulher que foi a companheira oficial de Pablo ao longo de praticamente toda sua carreira no crime.

Hoje com 58, Victoria conheceu Pablo quando tinha 12 anos. Ele, já então adulto, com 23, insistiu e conseguiu convencer a criança de que o romance poderia dar certo. Casaram na igreja aos 15 anos, mesma idade em que Victoria engravidou pela primeira vez (daria à luz Juan Pablo), também a mesma idade em que precisou visitar o marido pela primeira vez na cadeia. Numa cultura extremamente machista, ficava apartada da vida profissional e financeira de seu parceiro. Criando dois filhos – logo viria Manuela – e procurando "não se intrometer" no cotidiano daquele com quem dividia a cama – isso quando Pablo não se perdia pela noite –, demorou para notar o apocalipse que estava sendo construído no seu entorno.

"The Dance of Rock and Roll", de Salvador Dalí, quadro que fez parte da coleção de Victoria.

"'Como você conseguia dormir com aquele monstro?', perguntou-me uma das vítimas de meu marido, Pablo Escobar. 'Você era cúmplice ou vítima? Por que não fez nada? Por que não o deixou? Por que não o denunciou?' Essas perguntas são provavelmente as mesmas que milhares de pessoas se fazem sobre mim. A resposta é porque eu o amava e, embora para muitos isso seja insuficiente, a verdade é que essa foi a razão pela qual fiquei ao seu lado até o último dia de sua vida, apesar de uma infinidade de vezes não concordar com suas ações e suas decisões", registra a viúva no começo da obra. "É evidente que houve muitos momentos que me fizeram questionar se devia continuar ou não; porém, não fui capaz de deixá-lo, não só por amor, mas também por medo, impotência e pela incerteza, por não saber o que seria de minha vida e de meus filhos sem ele. Temi, inclusive, a possibilidade de que o homem mais perigoso da Colômbia pudesse me machucar se eu me afastasse dele", continua.

Atentados a prédios, família vivendo numa espécie de cárcere privado – quase sempre um cárcere de "ouro", é verdade –, filhos apartados do mundo, guerra com o Estado, constante clima de belicismo e terror… As cenas de ação e os momentos de tensão são óbvias em qualquer narrativa que envolva Pablo Escobar, então, por mais que chame a atenção a maneira como o traficante expunha a família que dizia tanto amar, não são exatamente esses os momentos mais valiosos do relato de Victoria. De sua posição de mulher distante da realidade do próprio marido, mostra como demorou para que se desse conta de qual era a verdadeira carreira criminosa de Escobar – traficante internacional de drogas com muito sangue nas mãos, não mero contrabandista, como imaginou por muito tempo.

São interessantes as passagens nas quais relata a intimidade de Pablo (tomava banhos de duas horas mesmo nos dias mais caóticos, dedicando um bom tempo a passar fio dental diversas vezes e escovar os dentes com uma escova infantil) e recorda da carreira do bandido como um político populista, do seu hábito de levar a família inteira – mais de 20 pessoas – para algumas viagens nem tão importantes assim e da construção da famosa fazenda Nápoles, que define como um "monumento ao mau gosto", com cômodos acanhados, mal planejados e mal-acabados. Em sintonia com nosso tempo, "Sra. Escobar" tem a introdução assinada por um astrólogo influente entre políticos e também mostra um tanto de como funciona as relações entre criminosos e "representantes" do povo.

O modo como Victoria se aprofundou no mundo da arte rende outros parágrafos que merecem elogios. Percebeu que entender de quadros e esculturas era um bom caminho para ser bem-aceita entre os milionários, então não demorou para que se tornasse conhecedora, admiradora e colecionadora de nomes como Fernando Botero e Claudio Bravo. Em seu acervo particular (cujas peças foram importantes para o momento em que, aos 33 anos, precisou negociar a vida da própria família com narcotraficantes após a morte de Pablo) constavam peças de Rodin, Arenas Betancourt e até um Salvador Dalí – o quadro "The Dance of Rock and Roll", no caso.

No livro há ainda espaço para a revelação de um aborto que foi obrigada a fazer sem nem se dar conta do que lhe estava acontecendo e reflexões sobre como a história de Escobar continua sendo um carma para toda a família. Mesmo tendo fugido para Moçambique, passado pelo Brasil e encontrado abrigo na Argentina, o "fantasma" do criminoso jamais deixou de ser uma assombração para Victoria, Juan Pablo e Manuela.

Num mercado editorial – e cultural – repleto de histórias sobre Pablo Escobar, "Sra. Escobar – Minha Vida com Pablo" se junta a dois livros escritos por Juan Pablo: "Pablo Escobar, Meu Pai – As Histórias que Não Deveríamos Saber" e "Pablo Escobar em Flagrante" (ambos da Planeta). É curioso que esses títulos que apresentam o bandido ao público pela ótica de seus familiares trazem uma visão sobre Escobar muito menos romantizadas do que diversas outras obras por aí. "Pablo Escobar não é nenhum modelo a seguir; o falso herói que as séries de cinema e televisão recriam me motivou a contar a verdade sem meias palavras", registra Victoria, que, ciente dos limites de sua memória e de seu conhecimento do mundo do ex-marido, ainda acerta ao ouvir outras fontes para reconstruir a história que se propôs a contar.

Flipoços

Quem também escreveu sobre Pablo Escobar foi Alonso Salazar, jornalista e ex-prefeito de Medelín (esteve à frente da cidade entre 2008 e 2011). Ele é autor de "Pablo Escobar – Ascensão e Queda do Grande Traficante de Drogas", que saiu no Brasil há alguns anos pela Planeta. Salazar estará no Brasil para participar da 14ª edição da Flipoços, que acontece entre os dias 27 de abril e 5 de maio em Poços de Caldas, onde irá conversar no dia 1º com os também jornalistas Allan de Abreu (autor de "Cocaína – A Rota Caipira", publicado pela Record) e Edu Carvalho, responsável pelo blog "Rocinha.Org". A programação completa da Flipoços pode ser vista aqui.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.