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Será que Casagrande não ouviu os gritos homofóbicos da torcida corintiana?

Rodrigo Casarin

23/04/2019 10h53

"Ooo… vai pra cima delas timão, da bicharada!"

"Vamos, vamos Corinthians. Dessas bichas nós temos que ganhar"

Esses foram os dois gritos mais ouvidos durante a transmissão da Globo da final do Campeonato Paulista. Teve ainda o "Timãããão ooo ooo ooo. Timãããão ooo ooo ooo. Vai pra cima das bichas. Vamos ser campeão", uma novidade. Como acontece desde que a Arena foi inaugurada, os gritos homofóbicos dos corintianos contra os são paulinos iam além do lamentável "bicha" a cada reposição de bola do goleiro adversário – justamente o urro que o comentarista Walter Casagrande tão bem criticou no domingo retrasado, quando a torcida do São Paulo, no Morumbi, foi a responsável pelas ofensas que não deveriam mais ser toleradas no futebol. Em Itaquera, no entanto, pelo inesperado silêncio em relação ao assunto, Casão parece não ter ouvido as manifestações homofóbicas. Uma pena.

Antes de seguir com o texto, importante deixar claro alguns pontos. Sou a favor da festa nos estádios – inclusive com a volta das duas torcidas em clássicos, sinalizadores, bandeiras, bandeirão, bateria… –, mas isso não significa que atos bárbaros devam seguir sendo tolerados. Sim, sou são paulino. Sim, me envergonho quando a torcida do meu time solta o primitivo "bicha" a cada tiro de meta cobrado por goleiros de outros times.

Casagrande fez muito bem ao expor o problema no jogo do Morumbi, ainda que as ofensas estejam longe de ser uma novidade ou exclusividade da torcida tricolor, como qualquer um que acompanha jogos de futebol sabe. Admiro imensamente Casão, mas é no mínimo estranho tomar a dianteira de uma discussão importante num domingo e, uma semana depois, se calar diante de uma torcida que brada sua homofobia ao longo de praticamente 90 minutos quando o jogo é contra o São Paulo. Será que desistiu de levar adiante essa justa e necessária briga? Se for isso é uma pena.

É claro que o futebol reflete diversos problemas de nossa sociedade, mas é pra frente que o mundo anda (ou deveria andar) e qualquer tipo discriminação também deve ser combatido nas arquibancadas e nos gramados. Sobre o assunto, volto a indicar a HQ "O Outro Lado da Bola", de Alê Braga, Alvaro Campos e Jean Diaz (Record). Nela, Cris, jogador que busca uma vaga no ataque da seleção brasileira, assume publicamente sua homossexualidade após um antigo namorado morrer espancado em um ataque homofóbico.

Após Cris tornar pública a sua orientação sexual, um panorama da homofobia no esporte é traçado, como escrevi numa resenha que fiz do livro no ano passado: "O patrocinador se preocupa com qual impacto isso trará para sua marca. O presidente, com a 'fama' do clube e com as cláusulas de contratos fechados com parceiros diversos. Os colegas jogadores estão encanados com o que dirão deles, que dividem o vestiário com um homossexual assumido. Já a torcida não perdoa: quer o atleta longe do time e promete pegar meio mundo de pau se algo drástico não for feito – isso publicamente; nos bastidores faz negociações para descolar alguns benefícios".

Vale também resgatar a oportuna observação do jornalista André Rizek em um dos textos que acompanham a HQ: "Existem padeiros gays, jornalistas, advogados, taxistas, farmacêuticos gays. Por que não haveria, aos montes, jogadores gays? Isso diz muito sobre o esporte que quase todo brasileiro ama e que está cheio de preconceitos desde a nossa infância. 'Chuta que nem homem', 'Futebol é coisa pra homem' e por aí vai. Junto com essa homofobia odiosa, cresce no futebol uma violência desenfreada que precisa ser debatida – e não escondida".

Debate que, volto a dizer, ganhou um capítulo importante há duas semanas, mas que deveria ter sido aprofundado no último domingo, não suprimido das discussões.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.