Vagina costurada para “preservar” a mulher: o horror da mutilação genital
6 de fevereiro marca o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, prática primitiva que ainda é comum em certos países africanos como Libéria e Nigéria e em algumas sociedades do Oriente Médio e do sudeste asiático. Segundo a Organização das Nações Unidas, mais de 140 milhões de mulheres já foram submetidas ao ato que viola os princípios básicos dos direitos humanos. A mutilação pode acontecer de diversas formas; em certos casos, os lábios da vagina da menina ainda pequena são parcialmente decepados e depois costurados para que ela seja sexualmente "preservada" para o seu futuro marido.
Convidada da Flip do ano passado, a escritora italiana filha de somalis Igiaba Scego (autora de um bom ensaio pessoal sobre a importância de Caetano Veloso em sua vida) falou sobre a prática que ainda é um tanto comum na terra natal de seus pais numa entrevista para a Folha, refutando a ideia de que a violência seria um mero traço cultural: "Não é uma diferença cultural, é algo horrível. Em alguns países na África, já existem leis que proíbem. Não passei por isso, porque minha mãe não deixou, mas ela sim. E não se vive bem com a mutilação".
Em "Adua" (Nós), que a autora considera o seu "livro sobre o colonialismo", Igiaba dá vida a uma jovem que parte da Somália atrás do sonho de ser atriz na Itália durante a década de 1930. Na Europa, no entanto, acaba encontrando uma realidade muito diferente daquela que vislumbrava. É desse romance que retiro o forte trecho abaixo marcado por diferentes formas de violência sexual, dentre elas a chaga ocasionada pela mutilação genital sofrida pela protagonista. Serve para reflexão:
Foi então, enquanto estava perdida nos meus pensamentos, que ela deu a ordem: "Agora tire a roupa dela, Arturo!".
Ele me fitou com um olhar oblíquo, levemente envergonhado e desfez, num só gesto, o nó da minha túnica.
Era a primeira vez que ficava nua diante do meu diretor.
"Arturo, ela é sua, faça dela o que quiser", disse Sissi com sua voz dura de general que me gelava o sangue.
E foi então que Arturo se deu conta da costura.
"Essa aqui está toda costurada lá embaixo", disse à esposa.
"Costurada?"
"Sim, é como se estivesse atravessada por arame farpado."
"Mas o que você está dizendo, Arturo?". E ela também, que até então limitava-se a dar ordens sentada num sofá de plumas, pulou na cama, toda desgrenhada, para ver o estranho arame farpado que tinha essa mulher somali naquele lugar tão delicado
"Ei, Adua, o que fizeram com você aqui embaixo?"
Não respondi. Estava morrendo de sono.
"Responda, galinha. O que é que fizeram com você aqui embaixo?"
Não respondi. Não tinha forças.
Quase não ouvia suas palavras.
Foi então que Sissi me estapeou uma, duas, três vezes.
"Então vou repetir, o que é que fizeram com você aqui embaixo, sua burra?"
E foi então que eu lhe disse: "Fazem isso com todas no meu país. Cortam nosso sil, aquele que fica pendurado. Cortam também uma outra coisa lá embaixo. Claro que dói, mas depois nos dão tantos presentes e é maravilhoso. Eu ganhei uma concha. Depois nos costuram. Assim nos purificamos, somos virgens e assim será até o dia do nosso casamento, até o dia que alguém nos amar e nos abrir com seu próprio amor", respondi choramingando.
"Amor?", ela me interrompeu. "Que palavra inútil."
"O amor não serve para nada, estúpida. Basta uma tesoura para abrir. E então o Arturo poderá finalmente degustar."
Tesoura?
Ela disse tesoura?
Tentei me esquivar… roguei. Mas eles eram dois, eram mais fortes do que eu, além de mais lúcidos.
E foi assim que naquela estranha noite de maio fui desvirginada com uma tesoura.
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