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Mulheres querem amor e carinho, homens querem o orgasmo; de onde vem isso?

Rodrigo Casarin

30/01/2019 10h52

Homens precisam extravasar sua sexualidade e às vezes têm dificuldades em controlá-la, principalmente quando jovens, é de sua natureza, enquanto mulheres são reservadas, recatadas e ligam mais para amor e carinho do que para o sexo em si. Ainda que com alguma variação, quem nunca ouviu esse papo? Me recordo de terem me empurrado ladainha semelhante até na escola onde estudei.

Mas nem sempre as coisas foram socialmente construídas dessa forma. Na Antiguidade, por exemplo, a mulher era vista como "carnal, libidinosa e governada por impulsos biológicos", conta Liv Strömquist em "A Origem do Mundo", enquanto o homem era visto como um ser "capaz de ter autocontrole e cultivar amizades sofisticadas de cunho intelectual". Já na Idade Média, manuais de caça às bruxas alertavam que o desejo carnal das mulheres era insaciável.

A coisa mudou no Iluminismo, segue a autora. A religião começou a perder espaço para a ciência, que logo criou suas próprias grandes verdades, ainda que não comprovadas pelo próprio rigor científico. "Agora, a sexualidade feminina era retratada como fraca ou inexistente, enquanto a masculinidade era forte e difícil de controlar. É daí que vem a ideia de que a sexualidade feminina depende de intimidade emocional, enquanto a sexualidade masculina está desvinculada das emoções".

Liv Strömquist é uma sueca formada em ciência política que atua como quadrinista. Em "A Origem do Mundo" (Quadrinhos na Cia), apresenta uma HQ (com certo tom de livro ilustrado) na qual mergulha na maneira como o sexo (ato sexual, aparelho sexual e a sexualidade como um todo) feminino foi abordado, interpretado e deturpado ao longo da história, praticamente sempre com homens se metendo a dizer o que as mulheres seriam ou deveriam ser (e fazer). Apesar do subtítulo sisudo – "Uma História Cultural da Vagina ou a Vulva vs. O Patriarcado" -, um dos grandes trunfos da obra é apostar no bom humor para evidenciar diversos absurdos históricos.

"É difícil imaginar textos de educação sexual dizendo o seguinte: Para alguns homens, curtir sexo não é sinônimo de ter orgasmo, já que certos homens tiram mais proveito de outras coisas que não o orgasmo/ O homem não quer necessariamente ter orgasmo toda vez que tiver relação sexual. Às vezes, ele está contente em só sentir proximidade com a mulher, sentir intimidade e carinho/ O coito interrompido termina antes de a mulher atingir o orgasmo", exemplifica a autora em uma oportuna inversão de situações. Aliás, o próprio orgasmo das mulheres, não custa lembrar, é algo que até outro dia era desacreditado pelos homens e depois passou a integrar uma narrativa que o apresenta como algo difícil de atingir e não necessariamente importante para a mulher.

É interessante ainda como Liv mostra que os avanços científicos relacionados à genitália e à sexualidade das mulheres caminham tropegamente, muitas vezes topando com cientistas cheios de dogmatismos em suas premissas. Além disso, a quadrinista manda bem ao lidar com assuntos ainda cercados de certos tabus, como a masturbação feminina e a menstruação – aqui, lembro de uma propaganda de absorvente que utilizava um líquido azul para simular o sangue, vai entender…

Sobre esse último tema, resgata uma antiga tradição de seu país natal: "Na sociedade agrária pré-industrial da Suécia, o sangue menstrual era usado para curar diversos mal-estares e doenças nos animais, além de ser uma poção do amor. Caso uma moça ou mulher misturasse algumas gotas de seu sangue menstrual na aguardente ou no café, e depois o oferecesse a um homem para beber, a crença era que ele ficaria 'louco' por ela". O vai e vem na história para mostrar como as coisas mudam (não necessariamente para a melhor) é outro ponto positivo da obra.

Passando a régua, "A Origem do Mundo" é uma HQ importante para quem deseja entender como o sexo e a sexualidade da mulher foram talhados e oportunamente deturpados ao longo da história e perceber o quanto diversas aparentes grandes certezas nada mais são do que construções culturais e sociais.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.