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Livro sobre Japonês da Federal tem trotes e furor por seios de Marquezine

Rodrigo Casarin

11/07/2018 09h59

"Presente em fotos e vídeos escoltando presos como Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro, Pedro Corrêa, André Esteves, José Dirceu, João Vacari Neto, José Carlos Bumlai e Nestor Cerveró, não demorou para que aquele japonês de 1,70m de altura, grisalho, sempre de óculos escuros, coturnos, luvas pretas e colete chamasse a atenção da imprensa. Em julho de 2015, um colunista político deu publicidade ao fato. A nota foi rapidamente replicada em outros sites de notícia e blogs. Como o Brasil acompanhava o noticiário sobre a Lava Jato com o mesmo interesse que seguia uma novela de sucesso, não demorou para que Newton ganhasse notoriedade nas redes sociais, que proliferaram inúmeros memes do agente, dando origem à figura do Japonês da Federal".

Nascia ali um dos personagens coadjuvantes de maior sucesso da história recente do Brasil. Newton Ishii virou popstar, foi tema de marchinha de carnaval e passou a ser reverenciado até por aqueles que perseguia. A história do agente que se aposentou no começo deste ano está agora registrada em "O Carcereiro – O Japonês da Federal e os Presos da Lava Jato" (Rocco), perfil escrito pelo jornalista Luís Humberto Carrijo. A obra nasce de uma série de entrevistas com o próprio Newton e com quatro dos criminosos detidos pela operação: o empresário Adir Assad, o doleiro Alberto Youssef, o empreiteiro Marcelo Odebrecht e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.

Passando por momentos da infância, juventude e começo da vida profissional de Newton – que nunca gostou de ser chamado de japonês ("Eu tenho nome, puxa vida! E não é Japonês!") – e retomando aspectos delicados de sua vida pessoal (como o suicídio do filho mais velho) e pouco edificantes da carreira (o tempo em que ficou encarcerado), a obra biográfica se destaca por trazer detalhes da Lava Jato e da superintendência da Polícia Federal em Curitiba retratados pela ótica do agente.

Bruna e trotes

Dentre presos ilustres se queixando da comida, reivindicando mordomias, procurando solucionar mazelas da cadeia e reclamando de problemas de flatos de seus colegas, em certo momento do livro fica evidente que, em algumas situações, a vida no cárcere dos presos pela Operação Lava Jato tem seus toques de molecagem. Newton relata, por exemplo, que certa vez, enquanto assistiam à minissérie "Nada Será Como Antes", Pedro Corrêa, ex-deputado, pareceu um garoto na puberdade ao ouvir falar de uma cena na qual Bruna Marquezine aparece seminua:

"Ele estava deitado com fortes dores lombares, quando o pessoal comentou: 'Puxa, os seios da Marquezine!'. O Pedro Corrêa deu um pulo da cama, esqueceu que estava com problema na coluna, saiu tropeçando… Se não fossem os colegas, que o seguraram, teria se estatelado no chão".

Em outro trecho, Carrijo pinta Newton como um "gozador nato", que não se privava de passar pequenos trotes nos presos e em seus familiares, aproveitando que poucos sabiam distinguir quando falava sério e quando estava apenas tirando um sarro:

"Teve uma vez que me dirigi à mulher do Duque e perguntei a ela: 'Mas você não estava aqui ontem, no dia dos encontros íntimos?' Ela respondeu: 'Não!' 'Xii, então era outra. Dei bola fora', emendei e me afastei, deixando os dois sozinhos", conta o ex-agente. Fez o mesmo com a mulher de Palocci, garante, que demorou mais de duas semanas para convencer a esposa de que aquilo era uma simples brincadeira.

A obra também traz histórias mais tensas, como é de se esperar. Certo dia, enquanto Eduardo Cunha ainda estava preso na superintendência, o ex-deputado tremeu na base ao achar que seria morto – temor recorrente entre encarcerados que detém informações que podem comprometer muita gente tão poderosa quanto eles. "Estava o Cunha carregando a roupa de cama nas mãos… No caminho, ficou paralisado, olhando para os lados, quando da chegada de dois falsários. Aquela noite, ele não dormiu. Era o medo de ser assassinado", relata Newton.

Descrença com a justiça

A fama fez com que Newton despertasse ciumeira dentro da própria Polícia Federal, mas também lhe rendeu situações bem curiosas. Numa das ocasiões em que Lula foi a Curitiba prestar esclarecimentos ao juiz Sérgio Moro, o advogado do ex-presidente o puxou de canto para uma breve conversa e disse que queria falar duas coisas. A primeira: diferente do que diziam os boatos, Lula nunca havia xingado o agente. A segunda: o advogado gostaria de tirar uma foto com Newton. O mesmo aconteceu com uma das filhas de Marcelo Odebrecht, que, em uma visita à prisão, acabou tomando uma bronca do empresário encarcerado: "Não tem cabimento você querer tirar foto com o carcereiro do seu pai".

São ainda relevantes as posições do perfilado sobre a própria Polícia Federal, a Operação Lava Jato – para ele foi um milagre que tenha ido tão longe – e o sistema político no país. "Newton hoje vê a Polícia Federal com certo desgosto. Para ele, as últimas safras de agentes, sobretudo de delegados, são muito fracas. 'Só pensam no salário', costuma dizer a poucos ouvidos. Dentro da Polícia Federal, os agentes enxergam os delegados, por exemplo, como 'concurseiros' frustrados, que não passam nas provas para juiz ou procurador", resume o autor.

Segundo Newton e Carrijo, durante o mandato de Dilma Rousseff, em nenhum momento a Lava Jato foi ameaçada. Já com Temer a realidade é outra, com manobras sendo feitas para que a operação e suas missões sejam "jogadas na vala comum dos burocráticos e morosos inquéritos policiais dos delegados federais", caracterizando um desmonte da própria Lava Jato.

Junte situações como essa à própria condição de Newton, condenado por contrabando na Operação Sucuri e obrigado a carregar uma tornozeleira eletrônica em seu calcanhar durante algum tempo, e temos uma pessoa um tanto descrente com a justiça. Como quase todos os outros presos do país – os próprios condenados pela Lava Jato brincam com isso, mostra o livro -, o ex-agente garante que jamais cometeu crime algum e que é vítima de um sistema cheio de obscuridades:

"Eu tiro por mim. Todos os meus direitos foram desrespeitados. Meu processo, ninguém leu. A única pessoa que passou não sei quantos meses estudando o caso foi o presidente da comissão disciplinar interna da Polícia Federal. 'Pô, Newton! Por que você foi preso? Não tem nenhuma prova. Eu não sei como vocês foram presos em flagrante sem flagrante, porque vocês foram condenados sem ter crime nenhum'. Ele mandou arquivar o processo, porque não tinha nada", recorda Newton. "Sua condenação e prisão teriam feito parte de uma conspiração para desacreditar e enfraquecer a Lava Jato, desmoralizando junto à opinião pública um dos símbolos da luta pelo fim da corrupção", confia Carrijo.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.