Topo

Copa do Mundo: hora de brincar de ser torcedor e não sofrer com futebol

Rodrigo Casarin

13/06/2018 10h25

Finalmente começa a Copa do Mundo. É hora de quem vê futebol ocasionalmente se tornar torcedor fanático da seleção e quem é torcedor fanático pelo seu time ter uma folga da torcida. Há exceções, claro, sempre há, mas é mais ou menos assim que a coisa funciona.

Torço pro São Paulo e é por ele que eu sofro – na última década até mais do que deveria. Por causa do São Paulo que passei jogos inteiros tremendo de nervoso e chorei por razões diversas – e ainda fico com os olhos marejados quando revejo o gol do Mineiro contra o Liverpool. Minha Copa é a Libertadores e não troco um Paulista por nenhum título de seleção. É por isso que digo: na Copa do Mundo, é hora de brincar de ser torcedor, de curtir mesmo o futebol, aproveitar cada partida, deixar a tensão quase que completamente de lado.

Com o passar do tempo eu fui desenvolvendo uma espécie de sincretismo ludopédico quando o assunto é Copa. Posso, numa boa, começar o jogo torcendo para uma seleção e terminar vibrando com a outra (e isso raramente coincide com a equipe vencedora, antes que alguém pense que eu troco de camisa conforme o placar). Estou sempre aberto a me maravilhar com a Argélia ou comemorar uma surpreendente Costa Rica. Mas se não vingarem, sem erro, sigo com minha cerveja e vou ser feliz com marmanjos de outro país.

comecei a falar de futebol aqui no Página Cinco ontem e a partir de agora o assunto será Copa do Mundo, sempre misturando, de alguma forma, o futebol com os livros, que permanecem sendo o alicerce deste blog, óbvio. Dito isso, já antecipo que no torneio da Rússia ficarei feliz se:

– o Messi ganhar
– o Uruguai ganhar
– o Brasil ganhar (desde que o capitão na final seja Miranda, Geromel, Filipe Luis ou, vá lá, Casemiro)
– alguma outra seleção da América ganhar
– alguma seleção da África ganhar
– a Islândia ganhar
– o Cueva for bem e seu passe valorizar
– tivermos jogos eternos como aquele Uruguai X Gana
– algum jogador aparecer lendo Dostoiévski, Tolstói, Gógol, Tchekhov ou Chalámov

E ficarei decepcionado se:

– a cerveja acabar
– a carne acabar
– mais uma vez a churrasqueira sobrar para mim
– de novo Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo fizerem uma Copa abaixo do que jogam em seus clubes

Foi uma alegria descobrir esse meu lado torcedor de ocasião (um tanto oportunista, admito). Cresci encarando quase três horas de ônibus para ir de casa até o Morumbi, onde costumava ser um dos primeiros a chegar para desenrolar a burocracia com a polícia para que a torcida entrasse com faixas e bateria, às vezes demorava para deixar o estádio para ajudar a carregar o bandeirão e demorava ainda mais para pegar o ônibus de volta esperando que o Seu Gustavo me deixasse comer os restos de pernil que sobravam na chapa.

Torcer sempre me pareceu coisa séria, muito séria. Talvez por isso eu não tenha me maravilhado quando li "Febre de Bola", do Nick Hornby, um dos títulos mais lembrados quando o assunto é livros sobre futebol. A lembrança que tenho é que Hornby, torcedor do Arsenal que via na arquibancada a chance de permanecer próximo ao seu divorciado pai, encarava o ato de torcer de maneira sóbria demais, mesmo esse sendo um elemento-chave de sua vida. Fiquei com a impressão de que só faltava o autor inglês usar terno para ir aos estádios. Exagero meu, é claro, mas é um livro bem menos vibrante do que eu então esperava.

Hornby escreveu "Febre de Bola" quando já era adulto, ou seja, seu olhar sobre o futebol e a relação que tinha com o esporte quando jovem já estava maturada pelo tempo. Eu, ao lê-lo, vivia na arquibancada toda quarta e domingo e provavelmente buscava um livro que falasse exatamente sobre a minha vida como torcedor, não que me apresentasse uma outra possibilidade de torcer.

Tenho amigos que são bons leitores e que adoram tanto "Febre de Bola" quanto o próprio Hornby. Então, imagino, o problema deve ter sido mesmo o momento da minha leitura, as expectativas que tinha, não o livro em si. Só com a Copa que fui entender que torcer pode ser uma coisa bem menos visceral, mais descompromissada, um meio para se aproveitar outras coisas, como uma bebedeira com os amigos ou instantes inesquecíveis com o pai, exatamente como fazia Horbny.

Gostou? Você pode me acompanhar também pelo Twitter e pelo Facebook.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.