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O politicamente correto é importante, mas peca pelo exagero, dizem Cassetas

Rodrigo Casarin

08/06/2018 10h09

Os Cassetas: Claudio Manoel, Marcelo Madureira, Hubert Aranha, Helio de La Peña, Beto Silva e Reinaldo Figueiredo. Foto: Vinícius Tamer e Shay Reis (Flocks).

Se o Macaco Tião concorresse às eleições deste ano, desbancaria qualquer outro candidato. É nisso que acreditam Helio de La Peña e Beto Silva, dois dos integrantes do Casseta & Planeta, provavelmente a trupe humorística mais conhecida do país. "Macaco Tião certamente bateria qualquer outro candidato, inclusive o Bolsonaro no segundo turno. Ele era um político honesto. E, mesmo sendo um chimpanzé, não queria a volta dos gorilas da ditadura", diz o primeiro. "Ele seria eleito no primeiro turno, com certeza. Mas ele não se candidataria. Ele era um político que além de honesto e ético, não tinha nada de bobo. Ele nunca pegaria uma roubada como essa de ser presidente do Brasil nos dias de hoje", pondera o segundo.

Para quem não sabe, Macaco Tião foi uma criação do Casseta, que atualmente se dedica a um canal no Youtube, para as eleições municipais de 1988 no Rio de Janeiro. Protestando contra as recorrentes falcatruas de nosso sistema político, fizeram campanha para que o chimpanzé chegasse à prefeitura. O resultado? Numa época em que os votos eram escritos na cédula – ou seja, o papel aceitava qualquer nome -, Tião teve mais de 400 mil eleitores e terminou o pleito como terceiro mais votado.

Ilustrações: Reinaldo Figueiredo.

É essa relação entre humor, política e história que serve de base para o mais novo livro dos comediantes, "O Brasil do Casseta: Nossa História Como Você Nunca Riu" (Sextante). Na obra, Beto, Helio e os demais integrantes do grupo (Claudio Manoel, Hubert Aranha, Marcelo Madureira e Reinaldo Figueiredo) partem de "Brasil: Uma História", do historiador Eduardo Bueno, para recontar o passado do nosso país com boas doses do humor que lhes é típico.

"O Brasil sempre foi muito generoso com os seus humoristas, criando situações engraçadas por toda a sua história. Portanto não foi tão difícil assim falar da nossa história na perspectiva do humor. A dificuldade, quando havia, era porque alguns episódios são tão bizarros que tivemos que usar de muita criatividade para tentar ser mais engraçados do que a realidade", conta Beto. "A História do Brasil é uma piada, a gente só botou no papel. Nossa tarefa era pôr uma lente de aumento nos fatos. Muitas vezes nem precisava. Em outros, tivemos que dar uma diminuída no absurdo da situação pro livro não ficar inverossímil", completa Hélio.

Cassetas na Bienal

Os Cassetas estão confirmados como atração da 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que neste ano acontece entre os dias 3 e 12 de agosto e onde estarão no dia 9, às 16h, na Arena Cultural. Na oportunidade, certamente falarão não só sobre o trabalho recém-publicado, mas também passarão pela política recente do país. Nesse campo, tanto para Hélio quanto para Beto um nome se destaca: Dilma Rousseff, que apontam como a figura mais cômica do setor nos últimos 20 ou 30 anos. "A figura mais cômica para mim [desse período] foi a Dilma com suas frases mirabolantes, estocando vento e saudando mandiocas. Ela parecia uma personagem da Praça é Nossa. No entanto, o que ela fez para o Brasil acabou não tendo graça nenhuma", avalia Beto.

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Hélio recorda o caso de Geddel Vieira Lima, acusado de guardar mais de R$50 milhões em dinheiro vivo em um apartamento em Salvador, para ilustrar como política e humor no Brasil muitas vezes se confundem. "Humorista brasileiro não tem do que reclamar. Desde que fomos descobertos vivemos uma sequência interminável de crises sem precedentes. O problema é que os políticos estão extrapolando suas funções. Não se contentam em fazer cagadas, agora fazem a piada e nos deixam na mão. Veja o caso do Geddel Vieira e do seu dinheiro que resolveu morar sozinho, quando tantos jovens não saem da casa dos pais antes dos 30 anos".

Nesse sentido, Beto vê o humor como uma possível via para atenuar os extremismos que permeiam o debate político atual, marcado pelo radicalismo e pelas exacerbações. Está "todo mundo gritando muito, latindo uns para os outros, ninguém querendo achar graça de nada. Mas mesmo assim há que se encarar a situação com humor. Na verdade, se as pessoas colocassem um pouco de humor nas suas discussões, talvez a situação até melhorasse um pouco".

"Não sou negro o suficiente"

Outro assunto em voga caro aos Cassetas e que costuma colocar qualquer humorista ao menos para refletir é o politicamente correto. Apesar do próprio "Brasil do Casseta" ser vendido como um olhar mordaz, debochado e politicamente incorreto sobre nossa história, tanto Hélio quanto Beto enxergam com bons olhos certas mudanças na sociedade e na maneira de se fazer as piadas, mas veem exagero em algumas reações. Para Beto, "o humorista tem que estar sempre ligado ao seu tempo, fazendo as piadas que funcionam na época em que vive. Os tempos mudam, a sociedade avança e acho muito bom que piadas sacaneando minorias não sejam mais consideradas engraçadas. O problema do politicamente correto é apenas o exagero".

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Já para Hélio, "a ideia do politicamente correto é boa, mas descambou pra um exagero insuportável. As pessoas estão mal humoradas, levam as piadas muito a sério. Tudo está sendo ressignificado e pode ser usado contra você. Mas nadamos nesse mar turbulento. Fizemos várias piadas politicamente incorretas nesse livro. Mas tentamos tomar algum cuidado. Claro, sempre terá um sujeito lendo o livro com uma lupa na mão e um índex na outra. Esse cara não quer rir, quer se aborrecer".

Por fim, Hélio também falou sobre o caso envolvendo a cantora e atriz Fabiana Cozza, que desistiu de interpretar Ivone Lara, a Dama do Samba, em um musical após ser acusada de não ter a pele escura o suficiente para representar a homenageada. O que o Casseta pensa disso? "Acho que não sou negro o suficiente pra dizer o que penso sobre essa questão".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.