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Personagem de Philip Roth obcecado por masturbação chocou puritanos dos EUA

Rodrigo Casarin

23/05/2018 09h31

Philip Roth, então com 36 anos, causou barulho ao lançar em 1969 "O Complexo de Portnoy", seu primeiro grande sucesso e até hoje uma de suas obras mais badaladas e queridas pelos leitores. O romance apresenta Alexander Portnoy, advogado de 30 anos que vive em Nova York e repassa a vida junto ao seu psicanalista. De família judia, debate-se contra – e muitas vezes extrapola – as paredes impostas pela educação tradicional, representada principalmente pela sua mãe, Sophie Portnoy – "minha mãe era capaz de fazer tudo, e eu pensava que ela própria seria obrigada a admitir que talvez fosse eficiente demais", recorda o personagem.

Como que buscando um escape, Portnoy cresce obcecado pelo prazer sexual e se torna um onanista compulsivo, traço que, aliado ao estilo sem rodeios de Roth, acabou por chocar puritanos que se depararam com a obra naquele final de década de 1960, início de 1970. Muitos não aceitavam o personagem que, para tentar saciar sua ânsia por sexo, aliviava-se diversas vezes ao dia nos mais variados lugares, usando apetrechos inusitados como um fígado cru e criando fantasias com sua própria irmã. A reprovação da vigilante família – composta ainda por um pai um tanto apático – e o sentimento de culpa parecem ampliar o prazer sentido pelo garoto.

"No meio da aula, levantava a mão pedindo licença, corria pelo corredor até o banheiro, e com dez ou quinze sacudidelas me soltava, em pé no mictório. Nas matinês de domingo, largava meus amigos e corria para comprar dropes – terminando num assento isolado do balcão do cinema e esguichando o meu sêmen dentro do invólucro vazio das pastilhas. Numa excursão do nossos grupo familiar, certa vez descarocei uma maçã, para espanto meu (e com auxílio da minha obsessão) verifiquei com o que ela se parecia, e corri para o mato para cair em cima do orifício da fruta, imaginando que o frio e farinhento buraco ficava entre as pernas daquele ser fictício que sempre me chamava de Garotão quando implorava por aquilo que nenhuma garota em toda a história conhecida jamais tivera", relata Portnoy ao psicanalista – e, consequentemente, ao leitor.

Escrevendo para a Folha em 2005, o escritor Bernardo Ajzenberg enalteceu o romance por conta do "grau de hilaridade e da maneira escancarada de tratar de coisas 'simples' como sexo e masturbação, preconceito, família, autoerotismo, complexo de Édipo. Com óbvios traços autobiográficos, irônico e detalhista, Roth investe no relato de casos com garotas não-judias, conflitos de família pequeno-burguesa e recordações contraditórias, obcecadas, cáusticas". O olhar crítico e múltiplo sobre o judaísmo, aliás, fez com que rabinos também levantassem bandeira contra Roth.

O retrato de uma geração de judeus norte-americanos, bem como da própria complexidade social dos Estados Unidos, se tornaria um dos principais pilares da literatura de Philip Roth, que morreu nesta terça-feira, aos 85 anos. Dando pouca bola ao politicamente correto, também foi acusado de misoginia pela maneira como eventualmente retrata mulheres em seus livros. Isso, no entanto, não abalou sua reputação como um dos principais escritores de sua geração e, até há pouco, o maior autor vivo de seu país.

Assinando colossos como "O Teatro de Sabbath", "Homem Comum", "Complô Contra a América", "Casei com um Comunista", "Adeus, Columbus" e "Pastoral Americana", ganhou praticamente todos os prêmios que era possível. A exceção foi o Nobel de Literatura, o que deverá fazer mais falta ao próprio Nobel do que a Roth.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.