Topo

Quer ser papai? Sonha em ser mamãe? Você deveria ler esses livros antes

Rodrigo Casarin

27/03/2018 10h43

Tenho para mim que qualquer pessoa que sonha em ser pai ou mãe deveria ler alguns livros antes de se empenhar em gerar a cria. E não, não estou falando de obras que apresentam o mundo cor-de-rosa ou azul-insosso dos bebês, daquelas que ajudam a fomentar a atmosfera de encantamento. Falo aqui de títulos que podem fazer com que os aspirantes à maternidade e à paternidade pensem em cenários menos óbvios para a vida com um filho ou filha.

Para começar, "Mães Arrependidas" (Civilização Brasileira), de Orna Donath, é fundamental para que os indivíduos tentem averiguar se o desejo de gerar uma nova pessoa é genuíno ou resultado da pressão do meio no qual estão inseridos. Depois, todos imaginam que o filho nascerá saudável, sem nenhum tipo de problema, que crescerá bem e será feliz para sempre. Pois bem, "O Filho Eterno" (Record), de Cristovão Tezza, romance brasileiro mais premiado deste século, é certeiro para fazer com que os pais se desloquem para uma outra realidade: e se a criança nascer com algum problema, como a Síndrome de Down? A HQ "Não Era Você que Eu Esperava" (Nemo), do francês Fabien Toulmé, segue caminho semelhante, mostrando os primeiros anos de um casal que precisa aprender a lidar com sua filha com trissomia do cromossomo 21.

Por sua vez, o conto "XX + XY", de Giovana Madalosso (presente no livro "A Teta Racional", publicado pela Grua), apresenta um lado árduo, nada romântico, da maternidade. Criança saudável e crescendo bem? Pois é hora de aprender a ouvir os pequenos e a lidar com eventuais preconceitos que muitos pais carregam consigo. Para tal, vá de "Instrumental" (Rádio Londres), de James Rhodes, que era abusado quando criança, mas ninguém dava atenção para suas queixas, e "Pai, Pai" (Alfaguara), de João Silvério Trevisan, tratado desde a infância como um "maricas" por parte da família, algo que lhe impactou para o resto da vida; são dois exemplos de como os pais não devem agir com seus filhos.

Já tinha comentado todos esses trabalhos aqui no Página Cinco, e agora um novo título entra para a minha lista de "livros que todos deveriam ler antes de colocar uma criança no mundo": falo de "O Pai da Menina Morta" (Todavia), de Tiago Ferro. Tiago, um dos fundadores da editora e-galáxia (assim mesmo, com tudo em minúsculo) e da revista Peixe-elétrico, perdeu a Manu, sua filha, em meados de 2016. A pequena, então com 8 anos, faleceu após contrair uma gripe.

"O Pai da Menina Morta" é evidentemente inspirado no fato, mas não se trata de uma autobiografia ou mera autoficção. Com estrutura ousada, fragmentada e, em certas partes, experimental, em momento algum o narrador do título dá lições ao leitor de como superar a terrível perda ou fica de autocomiseração. Pelo contrário, misturando sentimentos com lembranças da filha, memórias remotas e situações cotidianas, mostra-se tentando reencontrar uma forma de lidar com a própria existência após a perda da criança. Nesse tatear de caminho, o sexo acaba tendo um papel central, criando um interessante contraste entre a precoce morte e o ato que tanto dá prazer quanto gera a própria vida. Tiago acerta no tom e na aposta por um percurso nada óbvio para reconstruir sua tragédia.

Destaco aqui dois trechos que achei particularmente bonitos:

"É bom estar em coma. Eu sou O Pai da Menina Morta? Quem fala aqui afinal? Quem é Eu? O corpo dilacerado pelo ferro retorcido do que um dia foi um automóvel. O corpo intacto e a máquina silenciosa. O que ela sentiu? Quando a privada gelada rachou ao entrar em contato com o meu corpo febril, a louça afiada fez um talho profundo e vermelho na parte de trás da minha coxa. Eu gritei em silêncio e me deitei no piso do banheiro. Todas as noites eu peço a mesma coisa. Ninguém vai me entender. Ninguém quer saber. Quantos nós somos afinal?
Eu estou ansioso pela minha morte.
Não, eu não quero morrer.
Você apenas quer saber como é."

E o outro:

"O fim do mundo é doce. Encerram-se os lutos. Todos eles de uma vez.
Ninguém morre.
Nunca mais."

Porque todo pai e toda mãe devem saber que nem sempre a vida sai exatamente da maneira que esperam.

Gostou? Você pode me acompanhar também pelo Twitter e pelo Facebook.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.