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Lula: A última vez que bebi para valer foi na Copa de 1974

Rodrigo Casarin

16/03/2018 09h54

A Boitempo lança hoje o livro "A Verdade Vencerá – O Povo Sabe Por Que Me Condenam", uma longa entrevista que o ex-presidente Lula concedeu aos jornalistas Juca Kfouri e Maria Inês Nassif, ao professor de relações internacionais Gilberto Maringoni e à fundadora e diretora da própria editora Ivana Jinkings.

Na conversa, que aconteceu nos dias 7, 15 e 28 de fevereiro, Lula fala muito sobre o momento que está vivendo: os processos jurídicos que enfrenta, uma provável prisão, as eleições deste ano no país… Além disso, analisa e revela detalhes de bastidores sobre os anos do PT no poder. São raros os momentos em que o ex-presidente se afasta um pouco da política em si e mostra pormenores da vida cotidiana – ainda que esses pormenores acabem dialogando com a própria política, claro. São essas as partes que mais me chamaram a atenção na obra, mostro aqui algumas:

O preço de ser corintiano

"Vou dar início ao jogo… Estou com aquele gol que o Cássio sofreu ontem… Se ele tivesse ficado com a mão parada, a bola não tinha entrado [fala sobre a derrota do Corinthians para o São Bento por 1X0, no Paulistão deste ano]. Eu pago o preço de ser corintiano há setenta anos, não aguento mais isso, vou trocar de time, que sofrimento… Acabei de ler ontem o livro do Galeano sobre futebol ["Futebol ao Sol e à Sombra", do uruguaio Eduardo Galeano, escritor citado por Lula em algumas ocasiões ao longo da entrevista]; é extraordinário. Aí você vai compreendendo a podridão do futebol quando virou indústria. Hoje o jogador não vale nada, é um instrumento de publicidade. O que importa é a marca que ele tá carregando na camisa".

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Churrascão com Bush

"É chata pra cacete a tal liturgia. Na verdade, tentei quebrar isso. Por exemplo, quando o [George W.] Bush foi ao Torto almoçar. A liturgia dos dois lados, a segurança dizendo não isso, não aquilo. E tinha a famosa churrasqueira do Guinness Book, do Figueiredo, de uns 12 metros de comprimento, você colocava uma fazenda inteira lá dentro assando [risos] e todo mundo que ia lá, Fidel [Castro], [Hugo] Chávez, a todos eles eu ofereci churrasco, que é comida nossa, gostosa. Então, o Bush foi lá, um esquema de segurança da porra. Quando fomos juntos a Guarulhos, fecharam a marginal do Tietê, um absurdo; é tudo feito pra valorizar o esquema de segurança. Se alguém queria matá-lo no Iraque, tudo bem, mas aqui no Brasil era capaz de ele passar num bar pra tomar cachaça e não ser reconhecido. É que, como a imprensa brasileira puxa o saco com esse complexo de vira-lata, ele aparece mais na televisão do que os presidentes da região, então talvez ele fosse reconhecido, vá lá… Voltando ao churrasco: a segurança vem e diz que não podia ter faca. Mas agora me diz: como é possível ter churrasco sem faca? [Risos.] A primeira coisa que o Bush fez, na hora que ele entrou com a esposa dele (eu estava lá esperando com a Marisa), foi dizer: 'Me empresta essa faca aí que eu quero um pedaço dessa carne'. Ele pegou a faca, partiu a carne e devolveu para o churrasqueiro. Aí fica todo mundo com cara de bunda [risos]".

Sobre a fama de não gostar de ler

"O cara que fala isso talvez não tenha lido a metade do que eu li. E é muito mais ignorante do que eu. Quando fomos ao enterro do Mandela [em 15 de dezembro de 2013], Sarney, Collor, Fernando Henrique Cardoso, Dilma e eu, descemos no aeroporto, fomos para o velório, ficamos todos juntos, e o Fernando Henrique Cardoso falou assim: 'Sabe, eu pensei que a velhice não chegava; hoje eu não consigo mais ler um livro, porque cai da minha mão'. Mas, como ele é conhecido como intelectual, as pessoas pensam que, com 82, 86 anos, ele consegue ler um livro de mil páginas como quando tinha 40 anos…"

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E o bacalhau?

"Não sou um cara de frequentar bar nem restaurante. Nunca antes na história deste país um presidente foi tão pouco a restaurante como eu. Quando presidente da República, nas minhas viagens, fui a dois restaurantes: um nos Estados Unidos, porque me convidaram dizendo que eu ia comer uma carne fantástica (e nem gostei da carne que comi lá); o outro foi na Noruega… Eu, todo cheio de charme com o primeiro-ministro, para ir comer um bacalhau… Aí cheguei lá e descobri que não existe bacalhau lá, eles nem sabem o que é bacalhau. Eu lembro que minha mãe comprava bacalhau na Semana Santa, bacalhau com leite de coco, que nordestino come muito. E eu: 'Nossa, bacalhau norueguês, eu vou lá comer'. Cheguei lá, e não existe [risos]. Bacalhau é coisa nossa e dos portugueses; é um peixe que nem chama bacalhau, que os portugueses preparam e vendem. Foi a maior decepção. Isso tudo pra dizer que há muito tempo eu não saio".

Última vez bêbado

"Se eu tiver que beber, bebo em casa. Tudo isso para me cuidar. Por isso fiquei nervoso com aquele cara do New York Times quando ele fez aquela matéria sobre o Lula beber, porque eu duvido que um jornalista tenha me visto bêbado alguma vez. A última vez que bebi para valer foi quando nós compramos bebida para ver Brasil e Holanda na Copa de 1974. Um médico do Sindicato levou a televisão de 17 polegadas – a primeira TV colorida que vi na vida –, a gente guardando a bebida pra depois da vitória, e tomamos de 2 a 0; ficamos xingando os jogadores e bebemos. E eu cheguei bêbado em casa, num estado lamentável, e a Marisa, que estava recebendo visitas, disse: 'E agora, como você vai fazer?'. E eu, com aquela conversa de bêbado… Ela falou: 'Você vai jantar' – eu tô falando de 1974 –, 'você come seu jantar aqui, pra melhorar um pouco, que eu vou pra sala'. Ela colocou meu pratinho de arroz com feijão, e eu caí com a cara dentro [risos]. Foi uma cena pra eu morrer dentro de casa afogado no feijão. Aí eu passei reto por todo mundo na sala e: 'Boa noite'. Mas a pior coisa do mundo é o bêbado fingir que não está bêbado [muitos risos]. É melhor assumir logo. Eu só sei que eu mirei na porta, meti a canela na mesinha de centro, caí no sofá [mais risos]… E nunca mais fiquei bêbado. Então, eu fico puto porque as pessoas falaram que viram o que não viram. Nunca tive vergonha de dizer que eu bebo. Não escondo que gosto de beber e que sou corintiano. Sou corintiano e não escondo. Gosto de beber. Adoro tomar um uisquezinho e uma cachacinha gelada de vez em quando. Mas, na minha idade, estou me cuidando, tenho que me cuidar".

"A Verdade Vencerá – O Povo Sabe Por Que Me Condenam" ainda conta com prólogo do escritor Luis Fernando Verissimo, prefácio do doutor em ciências sociais Luis Felipe Miguel e textos complementares do escritor e tradutor Eric Nepomuceno e do doutor em direito administrativo Rafael Valim. Seu lançamento oficial acontece hoje, às 18h, em São Paulo, no Sindicado dos Químicos (rua Tamandaré, 348, Liberdade), com entrada gratuita.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.