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Biografia de líder do Red Hot: US$500 em crack e 1ª vez com namorada do pai

Rodrigo Casarin

06/03/2018 10h04

Chove pó na autobiografia de Anthony Kiedis, vocalista do Red Hot Chili Peppers. Usando drogas desde os 11 anos de idade, é impressionante a quantidade de cenas onde o músico está se chapando principalmente com cocaína e heroína em "Scar Tissue", livro que escreveu com Larry Sloman. A obra foi publicada originalmente em 2004, quando Kiedis conseguiu, enfim, ficar algum tempo longe dos tóxicos, saiu no Brasil no ano seguinte pela Ediouro e agora volta às livrarias nacionais pela Belas Letras. Se há drogas para tudo que é lado em "Scar Tissue", há também boas doses de loucura, sexo e, claro, música. Veja alguns trechos:

Traficante com cara de Gandhi

Eu estava injetando coca há três dias seguidos com meu traficante mexicano, Mario, quando me lembrei do show no Arizona. Minha banda, o Red Hot Chili Peppers, já tinha lançado um álbum e estava prestes a ir para Michigan gravar o segundo, mas antes disso, Lindy, nosso empresário, tinha marcado uma apresentação em uma churrascaria-discoteca no Arizona. O promotor era nosso fã e ia nos pagar mais do que valíamos, por isso aceitamos.

Mas eu estava destruído. Geralmente ficava assim quando ia para a cidade e andava com Mario, um mexicano magro, peludo e esperto, que parecia uma versão um pouco maior e mais forte de Gandhi. Usava óculos, por isso não parecia maldoso ou prepotente, mas sempre que nos picávamos com coca ou heroína, ele fazia confissões: "Precisei machucar alguém. Sou um agente da máfia mexicana. Eu recebo um telefonema e nem quero saber os detalhes, apenas faço meu trabalho, tiro a pessoa do ar e recebo meu dinheiro". Nunca soube se o que ele dizia era verdade.

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Mario morava num velho prédio de oito andares no centro da cidade, em um apartamento minúsculo com sua velha mãe, que ficava sentada no canto da sala assistindo silenciosamente a novelas mexicanas.

Ele não era um traficante varejista, e sim um intermediário para os atacadistas, por isso eu conseguia muita droga por pouco dinheiro – mas precisava usá-la com ele. O irmão de Mario, que tinha acabado de sair da prisão, estava sentado ali no chão da pequena cozinha com a gente e gritava cada vez que tentava sem sucesso encontrar uma veia na perna. Foi a primeira vez que vi alguém ficar sem área útil nos braços e ser obrigado a tomar o pico na perna.
Fazíamos isso durante dias, às vezes até pedíamos esmola para conseguir dinheiro para a cocaína. Mas agora eram quatro e meia da manhã e eu me lembrei de que tinha de tocar naquela noite. "Bom, hora de comprar um pouco de droga, porque tenho de dirigir até o Arizona hoje e não estou muito legal", decidi.

Baseado com o pai

Fazia alguns dias que eu estava lá quando meu pai me chamou da cozinha. Estava sentado junto à mesa com uma bonita garota de 18 anos com quem estava saindo naquela semana. – Quer fumar um baseado? – perguntou.

Lá em Michigan eu teria respondido automaticamente não. Mas esse novo ambiente me tornava aventureiro. Então meu pai pegou uma caixa preta feita de um dicionário "American Heritage". Abriu a caixa, que estava cheia de erva. Usando a tampa como área de preparação, picou um pouco de maconha, deixando as sementes rolarem até o final da tampa.

Então pegou alguns papéis para enrolar e me mostrou exatamente como se enrola um baseado perfeito. Achei todo o ritual fascinante.

Então acendeu o cigarro e o passou para mim.

– Cuidado, não aspire muito. Senão vai morrer de tosse – aconselhou.

Dei uma pequena tragada e passei-lhe o baseado. Ele deu a volta à mesa algumas vezes, e logo estávamos todos rindo e nos sentindo realmente relaxados. Então percebi que eu estava chapado. Adorei a sensação. Parecia um remédio para acalmar a alma e despertar os sentidos. Não tinha nada de estranho ou assustador – eu não sentia que tinha perdido o controle, na verdade sentia que estava no controle.

Primeira vez com a namorada do pai

Assim que fui morar com meu pai, a ideia de fazer sexo tornou-se uma prioridade para mim. Na verdade, a antecipação, o desejo e a atração pelo fato inevitável já existiam antes de eu ir para a Califórnia. Mas agora eu tinha 11 anos, quase 12, e estava na hora de agir. As garotas da minha idade na Emerson não queriam nada comigo. Meu pai tinha uma série de lindas amigas adolescentes com as quais eu tinha fantasias, mas não tinha coragem para abordá-las. Então ele começou a sair com uma garota chamada Kimberly.

Era uma ruiva linda de 18 anos, de pele branca como a neve e seios grandes e perfeitos. Tinha uma personalidade sonhadora e se recusava a usar óculos, apesar de ser terrivelmente míope. Certa vez, lhe perguntei se conseguia enxergar sem eles, e ela disse que as coisas ficavam muito desfocadas. Então por que não usava? "Realmente prefiro ver o mundo impreciso", respondeu.

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Certa noite, pouco antes de eu completar 12 anos, estávamos todos no Rainbow. Eu estava alto de Quaalude que só, e juntei coragem para escrever um bilhete para meu pai: "Sei que ela é sua namorada, mas tenho certeza de que topa a parada; por isso, se você aceitar, podemos arranjar uma situação para eu acabar fazendo sexo com Kimberly esta noite?".

Ele fez o trato rapidamente. Ela estava decidida, então voltamos para casa e ele disse: "Muito bem, ali está a cama, ali está a garota, faça o que quiser".

Dinheiro para multa

Adicionamos alguns elementos especiais aos nossos shows do Lollapalooza. Construímos uma roda espiralada gigante e psicodélica que colocamos no centro do palco com propósitos hipnóticos. Mas o toque final foram os capacetes com fogo que usamos para fazer o bis.

Sempre que penso em performance, me surge a ideia do fogo – é algo tão visual e funciona tão bem com música. Não pensei na grande arena pirotécnica de bandas como Kiss ou Who, simplesmente achei que seria genial se vestíssemos capacetes que cuspissem fogo. Para isso, um designer que Lindy conhecia criou um capacete de construção prateado com um cano no topo e um tubo que saía do cano e ia até um cilindro de propano pendurado na cintura por um cinto. Cada um de nós tinha uma válvula lateral, por meio da qual controlávamos a intensidade da chama.

Várias vezes os bombeiros tentaram parar o show. Lindy tinha de carregar dinheiro extra e, quando um deles lhe dizia que podíamos ser multados se acendêssemos os capacetes, sacava as notas e dizia: "Quanto?" Em outra cidade, os bombeiros exigiram que nossos roadies vestissem uma roupa antifogo completa, com capacete, quando fossem acender nossas cabeças. Não sei como conseguimos acabar aquela turnê vivos.

Foto: Amy Harris.

Brasil

Eu já me encontrava bem quando fomos ao Brasil para fazer alguns grandes shows em janeiro. Era um festival de quatro noites e tocávamos em noites alternadas com o Nirvana, no Rio e em São Paulo. Viajamos juntos em um grande avião 747 e foi uma verdadeira festa, mas nada poderia me preparar para a recepção que tivemos no Brasil. Mesmo depois de Nina Hagen ter me contado que depois de o resto do mundo ter esquecido dela ela podia ir ao Brasil e ser recebida como um Beatle, eu ainda não podia acreditar no fervor dos fãs brasileiros. Precisamos da ajuda das forças armadas para conseguir sair do hotel. Os fãs tinham uma exuberância que beirava o perigo.

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Na véspera de tocar no Rio, conseguimos uma escolta policial e entramos numa favela para ver um autêntico ensaio de escola de samba. Ficamos tão impressionados com a música e a apresentação, que convidamos todo o grupo para subir ao palco e improvisar conosco na noite seguinte. E eles foram. Havia pelo menos o dobro de pessoas que estavam ali no ensaio, todas com suas melhores fantasias.

Chad não sabia bem o que fazer, então começou a puxar algo na bateria e eles acompanharam, sacudindo os instrumentos, cantando e dançando. Flea achou seu ritmo e entrou na brincadeira, e Arik começou a tocar um funk que funcionou. Para mim foi difícil encontrar um lugar naquela combinação, até que duas sambistas vieram e começaram a dançar comigo. No final todo mundo dançou, tocou e tivemos uma jam session psicodélica e radical.

Crack

Os traficantes estão acostumados com gente que compra 20 dólares, às vezes 40 ou 60, mas você saca um bolo de notas de cem e diz a eles que quer 500 dólares. Eles não conseguem nem guardar 500 dólares de crack na boca, que é onde eles o escondem, exatamente como os papelotes de heroína, embaixo da língua, então começam a se acotovelar e somar seus recursos e vêm até você com um punhado de crack coberto de saliva. Você paga e pergunta: – Quem tem Chiva? – E eles indicam. Chiva é heroína. Então você vai a outro quarteirão e compra três, quatro ou cinco papelotes, tentando o tempo todo fazer isso rápido, porque os tiras podem aparecer a qualquer momento. Daí você vai para casa e fica chapado.

Assim que você acende o cachimbo, bum, há aquela descarga instantânea de serotonina no cérebro, uma sensação que é quase boa demais. Voltei à minha casa linda, doce e abençoada por Deus, andei pela cozinha e tomei a primeira dose – tudo o que interessa é a primeira dose; as outras são todas em vão, uma tentativa de recapturar a primeira –, coloquei o máximo de pedras que cabia, o máximo de fumaça que podia nos meus pulmões, segurei o mais que podia e depois soltei o fumo, e toda essa energia maníaca, psicótica, me envolveu e instantaneamente me transformei em outra pessoa. Eu não tinha mais controle dessa pessoa. Joguei fora minha camisa e me pareceu perfeitamente normal ir à casa da vizinha seminu para ver o que estava acontecendo.

Bati na porta, ela saiu e eu disse algo do tipo:

– Por acaso esqueci minhas chaves aí?

Ela respondeu: – Não, acho que não, mas vamos dar uma olhada.

Três minutos depois a sensação passou e me dei conta de que estava ali quase pelado, procurando chaves que não existiam, então pedi des­culpas, voltei para casa e acendi o cachimbo de novo. Loucura absoluta. Eu carregava este segredo dentro de mim e isso envenenava todo o meu raciocínio. Eu fingia que tudo ia muito bem, mas a integridade de mi­nha estrutura psíquica começava a colapsar.

Caridade

Flea teve outra ideia importante. Decidimos doar cinco por cento do que ganhávamos nas turnês para as melhores instituições de caridade que pudéssemos encontrar, fosse para pesquisar a cura do câncer, para hospitais infantis ou programas de música. É uma porcentagem bastante grande, pois metade sempre é utilizada para pagar as despesas da turnê, outros vinte por cento vão para os empresários, cinco por cento para um advogado e outros cinco por cento para os contadores.

Falamos com John e Chad e ambos acharam que era uma excelente ideia. Acabou sendo uma mudança incrivelmente positiva e divertida, porque agora temos a alegria de poder ajudar todas essas pessoas. As crianças nos mandam fotos e cartas de agradecimento contando o quanto significa para elas ter tratamento médico, um parque onde brincar ou instrumentos musicais. Foi uma das melhores decisões que já tomamos juntos.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.