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Ana Teresa Pereira, Elena Ferrante, Pynchon e o charme dos autores reclusos

Rodrigo Casarin

29/11/2017 15h19

Ela vive na Ilha da Madeira e quase nunca sai de lá. Até seus editores às vezes têm dificuldades para falar com ela, que raramente atende a imprensa. Mas topou falar com a gente por mensagens no Facebook após o anúncio do prêmio. Aliás, ela disse que ficou muitíssimo feliz em ganhar o Oceanos; "Karen" é um dos livros que mais se orgulha de ter feito, é a obra na qual conseguiu se aproximar do sentido metafísico das palavras.

Mais ou menos dessa forma que a escritora portuguesa Ana Teresa Pereira foi apresentada após ser anunciada como vencedora do Prêmio Oceanos de 2017. Nascida em 1958 no Funchal, na própria Ilha da Madeira, território português que está mais perto de Marrocos do que de Portugal, a autora ainda é inédita no Brasil, onde será lançada no ano que vem pela Todavia.

Não mostrar a cara nem para uma conferência não foi uma surpresa para quem já conhecia o trabalho e a personalidade de Ana Teresa. Ela não costuma comparecer aos prêmios que recebe mesmo. Além disso, a estética da foto que sua editora em Portugal, a Relógio D'Água, disponibilizou para a divulgação do seu trabalho nos permite imaginar que a escritora não posa para uma câmera há algum tempo – talvez décadas, já que a imagem tem uma pegada de anos 90. E, se posa, não mostra o resultado dos cliques por aí.

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Com essa semirreclusão (semi pois quem topa teclar pelo Facebook não é exatamente um eremita), impossível não lembrar de autores em condições parecidas nessa época na qual a figura do escritor ficou tão ou até mais importante do que seus escritos.

Quando falaram sobre a personalidade de Ana Teresa, a primeira pessoa que me veio à cabeça foi Elena Ferrante (óbvio!), esta sim cercada por grandes segredos. Publicando desde a década de 1990, Elena cativou meio mundo com sua tetralogia napolitana. É um mistério, contudo, quem está por trás de seu nome. Seria um homem? Uma mulher? Um coletivo de autores? Há quem garanta que Elena seja cria da tradutora Anita Raja, mas não existe confirmação sobre isso.

E há outros autores que mesmo completamente distantes dos holofotes continuam dialogando com nosso mundo. Isolado há mais de meio século, Thomas Pynchon, como Zeca Camargo apontou recentemente em artigo para a Folha, continua bastante presente na cultura pop dos Estados Unidos. Para Zeca, inclusive, Pynchon teria muito a ensinar sobre como manter realmente a privacidade para Ferrante. Acho besteira, deixemos cada um ser mais ou menos recluso à sua maneira. Não patrulhemos a reclusão alheia.

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Pensando no Brasil, impossível não mencionar Rubem Fonseca, que muito às vezes aparece aqui e fala alguma coisinha ali. E Dalton Trevisan, claro, tão avesso a aparições que, reza a lenda, até diz não ser ele mesmo quando é abordado por alguém na rua. Quem até pouco tempo atrás fazia parte desse time era Raduan Nassar. O autor de "Lavoura Arcaica" e "Um Copo de Cólera", entretanto, ressurgiu em 2012. De lá para cá, voltamos a ter suas opiniões (mais políticas do que literárias) e seu cativante sorriso, mas o mito no entorno do homem perdeu a força.

Há um inegável charme nesses autores que pouco ou nada dão as caras. Será que o eremita é como algum de seus personagens? Quanto há de sua personalidade nas obras? Será que ele vive isolado pois nunca para de ler, escrever e tomar café? Ou será que passa o dia inteiro na praia brincando de frescobol ou numa rede fumando cigarro de palha? Joga videogame? O mistério permite que o leitor possa aproveitar os livros que criam, mas também permite ao leitor criar sua própria ficção em cima daquela figura que admira, mas pouco conhece. Uma ficção em cima dos reclusos das letras. Ficção que perde força quando eles começam a mostrar o que realmente são.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.