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Balada aposta no rebelde Torquato Neto para “teimar” contra a censura

Rodrigo Casarin

08/11/2017 09h38

Poeta, letrista e jornalista, Torquato Neto foi parceiro de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Waly Salomão e Jards Macalé, dentre diversos outros. Autor de versos como "Minha terra tem palmeiras/ Onde sopra o vento forte/ Da fome, do medo e muito/ Principalmente da morte" ("Marginália II"), destacou-se tanto na canção quanto na poesia – as duas frentes se misturavam em seu trabalho. Um dos principais nomes do Tropicalismo, teve uma vida bastante conturbada: batalhou ferozmente contra diversos aspectos da indústria cultural e passou por algumas internações para tratar do alcoolismo. Em 1972, aos 28 anos, quando vivia no Rio de Janeiro, encerrou seus dias asfixiando-se com gás.

Torquato é o autor homenageado da Balada Literária deste ano, que acontece em diversos pontos de São Paulo entre hoje, 8 de novembro, e domingo, 12. "Torquato prega a liberdade. Torquato esteve sempre à frente. Do seu tempo. E de nosso tempo. Ouço as músicas, leio as letras de Torquato e parece que estamos hoje, ao lado dele, gritando contra o 'golperno', contra todo e qualquer tipo de censura. Vejo ele nesta Balada, ao nosso lado, teimando", comenta Marcelino Freire, curador e idealizador do festival. "Fazer um evento assim, há 12 anos, de forma ininterrupta, apesar dos pesares, é algo do qual me orgulho. Isso tem a ver com o 'fazer', com o não ficar com a bunda na cadeira. Essa vontade que dá de misturar tudo, de unir tudo, de estarmos juntos. Essa geleia geral é a própria Balada. A literatura sem frescura, em constante manifesto e movimento", continua.

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Para Marcelino, Torquato é uma figura de extrema importância neste momento politicamente, socialmente e até artisticamente conturbado. "Torquato está nos jovens que ocuparam as escolas. Vejo Torquato ao lado daqueles que são contra a censura. A poesia de Torquato solta o verbo, toma as ruas. Está em toda obra de Caetano, na rebeldia de Tom Zé. Na poesia visual que circula na internet. Está em Teresina, no nordeste, no Rio. É um criador atemporal. E eterno. Nunca precisamos tanto, quanto hoje, da influência de Torquato".

A homenagem da Balada acontece junto com um movimento de reavivamento do poeta, com textos inéditos vindo à tona, como os que resultarão em "Fragmentos Poéticos – A Palavra em Construção", que sairá pela UPJ, e o lançamento do documentário "Torquato Neto: Todas as Horas do Fim", de Eduardo Ades e Marcus Fernando, que estreou no Festival de Cinema do Rio de Janeiro.

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Neste ano, pela primeira vez, a Balada Literária passou por duas cidades antes de chegar a São Paulo: Teresina, terra natal do homenageado, e Salvador, cidade decisiva na formação de Torquato. "Esse trajeto 'mambembe' muito diz de Torquato. E das distâncias que devemos quebrar. Estou muito interessado nessa festa múltipla, móvel, indo por dentro do Brasil, saindo um pouco do prumo, se jogando além. Torquato veio trazer para nós, ainda mais, esse espírito aglutinador do Tropicalismo. Gosto disso. Não é de hoje que a Balada conversa com os artistas de Porto Velho, Macapá, Rio Branco, mapa afora. Tudo ao mesmo tempo agora", diz o curador.

Dentre as atrações da versão paulistana da Balada estão nomes como Arnaldo Antunes, Paulo Lins, Clarah Averbuck e Conceição Evaristo – toda programação pode ser vista aqui. Eu mediarei a mesa "Todo Dia é Dia D", que contará com a participação dos escritores Lourenço Mutarelli e Ondjaki, amanhã, dia 9, na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, às 14h30. Quem quiser acompanhar, basta aparecer por lá.

Foto: Cacá Bernardes.

Viagem de Dostoiévski

Está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, também em São Paulo, a peça "Dostoiévski-Trip", uma adaptação das Companhias Livre e Mundana sob direção de Cibele Forjaz para a novela do escritor russo Vladimir Sorókin, que esteve no Brasil para a Flip de 2014. A encenação mostra seis amigos que utilizam a literatura como entorpecente e entram em uma viagem extrema quando experimentam uma nova "droga": o clássico "O Idiota", de Fiódor Dostoiévski.

A peça possui alguns momentos que só serão entendidos por quem tem familiaridade com grandes nomes das letras e outros nos quais o espectador se sente viajando tanto quanto os atores que simulam bad trips no palco. Vale assistir. O espetáculo acontece às sextas (20h), sábados (20h) e domingos (19h), custa R$20 e vai até 18 de dezembro. Mais informações aqui.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.