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Sem braços nem pernas, ele surfa, anda de skate e crê que nada é impossível

Rodrigo Casarin

11/10/2017 08h46

Marcos Rossi tinha de 13 para 14 anos quando foi expulso pela primeira vez do colégio. Seus colegas insistiam em jogar giz na cabeça da professora, que uma hora se cansou, virou para a classe e perguntou quem tinha sido o responsável por aquilo. Marcos se antecipou aos amigos: "Fui eu, professora". Imediatamente todos caíram na gargalhada, menos a educadora, que, furiosa, resolveu chamar o segurança.

Era impossível que Marcos tivesse atirado um giz sequer. Ele nasceu com a rara Síndrome de Hanhart e desde bebê não possui pernas e braços. Para atazanar ainda mais a professora, colocou sua cadeira de rodas na frente da porta e disse que a bateria havia acabado, impedindo a mulher de sair da sala. Foram justamente as "brincadeiras" que fazia com a cadeira motorizada que acabaram abreviando a trajetória de Marcos naquele colégio – a gota d'água foi quando arrebentou um bebedouro após trombar nele em uma velocidade propositalmente alta demais.

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O problema de nascença nunca impediu Marcos de tentar fazer o que quase todos os garotos da sua idade faziam. Para jogar futebol, por exemplo, encaixava as muletas sob suas axilas e utilizava os apetrechos de madeira para bater na bola. "Olhando hoje em perspectiva, eu era algo como um 'Forrest Gump' descontrolado. Mas sem as pernas", relata. "Eu não seria uma vítima do destino, nem me comportaria como tal. Não me lamentaria das minhas condições. Nem diria que não posso fazer qualquer coisa. Eu mostraria para mim, e para todos que cruzassem meu caminho, que não existem limitações para quem tem vontade. Eu era pequeno demais, mas sabia o que queria".

E dessa forma cresceu. Formou-se em Direito e trabalha em um dos principais bancos do país. Casou, teve dois filhos, se separou e foi morar sozinho, tendo um amigo como anjo da guarda para lhe ajudar em algumas questões específicas. Toca em bateria de escola de samba, às vezes ataca de DJ em baladas, pega onda com sua prancha de surf e desenvolveu um skate adaptado para que pudesse praticar o esporte pelas ruas da cidade. Atualmente, Marcos, aos 35 anos, também dá palestras motivacionais pelo país.

"Tem gente que acha que seria melhor morrer a viver sem braços e pernas. Essa é a reação básica das pessoas que estão na zona de conforto. Mas quando estamos ali, diante da situação que a vida nos apresenta, só nos restam duas opções: enfrentar ou desistir". É o que escreve em "O que É Impossível Para Você?", livro que publicou pela Buzz e no qual narra sua história. Previsivelmente, trata-se uma obra de autoajuda repleta de "lições para a vida" e ensinamentos supostamente valiosos. Do título que tirei as citações da matéria.

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Apesar do tom que particularmente não agrada, o livro possui alguns bons momentos, como quando o autor perde a virgindade e ao falar sobre como se sente ao ignorarem que precisa de ajuda mínima para que possa comer: "Só eu sei quantas vezes as pessoas ficaram curiosas e me encheram de perguntas. 'Como você come?' é uma das mais frequentes. E, muitas vezes por não terem a menor ideia de como eu fazia aquilo, talvez com vergonha ou medo de oferecer ajuda, não diziam nada", registra ele, que em diversas vezes esperou a vista ficar turva para "finalmente pedir para alguém me alimentar".

Pelo relato de Marcos, muitas vezes as grandes dificuldades encontradas estão mais nas pequenas atividades do cotidiano – como eventualmente achar alguém que lhe ajude a almoçar – do que em pegar uma onda ou batucar no carnaval. Mas não que essas questões sejam incontornáveis, afirma. "Costumo dizer para as pessoas que a limitação é um conceito que está dentro da cabeça delas. Você tem que acreditar naquilo que você sonha, nos seus desejos, e ir atrás. Determinação e motivação foram essenciais para que eu chegasse até aqui. Determinação foi as minhas pernas e motivação os meus braços e com eles chego onde meu coração mandar".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.