Filme panfletário e livro parcial alimentam mitologia sobre a Lava Jato
Maior investigação sobre lavagem de dinheiro e corrupção no país, a Lava Jato já está há três anos nos noticiários e, creio, dispensa maiores apresentações. Duas obras sobre a operação estão sendo lançadas: o livro "Polícia Federal: A Lei é Para Todos", de Carlos Graieb e Ana Maria Santos, e o filme homônimo baseado no volume publicado pela Record. Já li o primeiro e assisti ao segundo, que estreia nos cinemas no próximo dia 7: tratam-se de peças que parecem pensadas para contribuir com toda a mitologia construída em torno da Lava Jato.
Livro-reportagem assinado por um jornalista (Graieb) e uma escritora e executiva (Ana Maria), "Polícia Federal: A Lei é Para Todos" registra a história da força-tarefa pela perspectiva dos policiais federais por ela responsáveis. É um ângulo possível para se retratar a trama, claro, mas ao não dar brecha para outras interpretações dos fatos ou não procurar pela complexidade que envolve tudo relacionado à operação que impactou diretamente na vida política do país, fica parecendo que os autores optaram por fazer um trabalho chapa-branca, que enaltece a própria Lava Jato sem encará-la com senso crítico algum – e sabemos que essas críticas existem aos montes por aí.
"Agradecemos aos delegados e agentes da Polícia Federal, aos integrantes do Ministério Público Federal e Justiça Federal de Curitiba […]. Não podemos deixar de registrar nossa gratidão ao diretor da Polícia Federal, Dr; Leandro Daiello Coimbra, e ao procurador Deltan Martinazzo Dallagnol", registram de cara os Graieb e Ana Maria, deixando claro quem os alimentou – são honestos e transparentes, ao menos.
Agora, se o livro é parcial, o filme soa como panfletário mesmo. Dirigido por Marcelo Antunez, com Antonio Calloni, Marcelo Serrado, Flávia Alessandra e Ary Fontoura no elenco e financiado com dinheiro que ninguém sabe de onde veio – os produtores preferem não mencionar os patrocinadores para não alimentarem patrulhas ideológicas –, não há espaço para sutileza alguma no longa: ali, policiais são heróis e investigados são vilões.
Sim, sistema binário, deus versus capeta, o bem contra o mal, maniqueísmo puro temperado com cenas bastante forçadas típicas de farofões de ação. Não adianta o próprio diretor dizer que não existem vilões ou heróis nessa história ou algum personagem ter uma fala reflexiva sobre a quem a operação, consciente ou não disso, serve. O tom de toda a narrativa soa pensado para enaltecer – mais uma vez, de forma acrítica – a Lava Jato e louvar os responsáveis por ela.
É evidente que não sou contra a operação, mas um olhar mais complexo e menos maniqueísta sobre algo que mexe no sistema governamental poderia contribuir para um amadurecimento da maneira que o brasileiro encara todo o circo arquitetado por nossos políticos. Políticos estes que estão, claro, dentro de partidos, mas também no Judiciário, no Ministério Público, na própria Polícia Federal…
Do jeito que livro e filme retrataram a Lava Jato, repito, apenas contribuem para a mitologia a respeito da operação. Há pessoas por aí tentando – e conseguindo – captar para si essa mitologia. Isso faz com que parte dos debates deixe de ser essencialmente político para se tornar a respeito de mitos, o que é terrível. Como sabemos, somos conduzidos por homens comuns, que no máximo atingem a condição de ídolo para, quase sempre, depois se mostrarem feitos de barro – como, aliás, a própria Lava Jato já evidenciou ao expor inúmeros casos envolvendo um ex-presidente.
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