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Com orçamento baixo e sucesso de público, Flipelô nasce como um milagre, mas sem certeza de continuidade

Rodrigo Casarin

13/08/2017 10h21

A primeira edição da Flipelô (Festa Literária Internacional do Pelourinho) chega hoje ao seu final. Aqui, um balanço do que vi e ouvi pelo evento:

Público: O público foi, sem dúvidas, a grande surpresa desta primeira edição de Flipelô. Todas as mesas que acompanhei, em diferentes áreas, estavam lotadas ou com uma excelente plateia. Segundo a organização, os espaços receberam cerca de 10 mil visitas. A impressão é que havia uma grande demanda reprimida na cidade para esse tipo de encontro, o que criou um ambiente propício para que a Flipelô já nascesse com a cara da grande festa literária que foi.

E eram pessoas de diferentes idades, classes sociais, formações e interesses, o que deixou o caldo ainda mais interessante. Os visitantes eram principalmente soteropolitanos e baianos, o público que a Flipelô deseja mesmo atingir (receberam até excursão de alunos de uma escola pública de Grapiuna, cidade a 430 km de Salvador). Claro que eventuais turistas são bem-vindos, mas a Festa nasce para trazer a população local para o Pelourinho, que abraçou o evento. "Tudo foi pensado para o baiano, porque normalmente quem é de fora já vem para essa região", comentou Ângela Fraga, organizadora do festival.

Verba: Ângela é filha de Myriam Fraga, que idealizou a Flipelô há dois anos, mas não conseguiu levantar verba para executá-lo antes de sua morte, no começo do ano passado. Para este ano, juntando dinheiro da Fundação Jorge Amado, do Sesc e de patrocinadores diretos e via Lei Rouanet, a Festa foi tocada com pouco mais de R$900 mil, valor baixo para tudo o que fizeram por aqui. Com esse dinheiro e com o momento que o país vive, posso dizer que tudo o que vi transforma a Flipelô em um pequeno milagre, que serve para inspirar e dar fôlego para as outras festas literárias pelo país – tanto as já existentes quanto aquelas que estão sendo idealizadas.

Próxima edição: Não há certeza de que teremos uma próxima edição da Flipelô. "Há vontade, sim, mas ainda não uma materialização", comentou Ângela. Apesar do sucesso, os organizadores andam reticentes com relação à captação de verba para a edição de 2018 da Festa. Em todo caso, já há uma definição: se acontecer, será na segunda semana de agosto, isso porque a programação precisa passar pelo dia 10 de tal mês, quando se comemora o aniversário de Jorge Amado – homenageado desta edição ao lado de Zélia Gattai e Myriam Fraga.

Programação: Quase todas as mesas que acompanhei fluíram muito bem e é ótimo ver um festival da magnitude que foi a Flipelô abrindo espaço para autores com propostas literárias bem distintas. Sim, Antônio Torres e Ronaldo Correia de Britto podem dividir a programação com Emicida e Thalita Rebouças, sem problemas.

Problemas pontuais: O que não foi legal? A pontualidade não foi o forte das mesas. Além disso, no papo que mediou com Alexandra Lucas Coelho, uma das atrações internacionais do evento, Gildeci de Oliveira Leite passou mais de 20 minutos lendo um ensaio sobre o trabalho da autora para apresentá-la. O texto era bom, mas o monólogo cansou o público. Para piorar, na sequência Alexandra também leu um longo texto – ótimo, por sinal. Em que pese a qualidade do conteúdo, esse formato de apresentação pede uma dinâmica maior, uma conversa mesmo, algo que se afaste dos seminários ou painéis acadêmicos. Tudo o que disseram poderia estar diluído em uma troca de ideias.

Outro momento problemático foi na mesa com o Professor Pasquale mediada por Jorge Portugal. Apesar da qualidade e do conhecimento artístico de Jorge, a meu ver é um equívoco colocar em cima do palco como atração o atual secretário estadual de cultura, ainda que teoricamente vestindo uma "camisa" diferente da de político em exercício. Jorge acabou ouvindo queixas da plateia por conta do cargo que ocupa. É sempre melhor deixar políticos nos bastidores ou junto ao público.

Destaque: De tudo o que presenciei, destaco principalmente o ruído entre Mário Rodrigues e um membro da plateia – o poeta Nelson Maca, que encontrou apoio de muitos outros espectadores – na mesa que o autor dividiu com Santiago Nazarian (o que rolou está no final deste texto). É ótimo ver que ainda há pessoas que discordam radicalmente e conseguem dialogar, ainda que de maneira breve.

Viajei a Salvador a convite da organização da Flipelô.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.