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Violência, pobreza, fome… Como era ser criança no Brasil nos séculos passados?

Rodrigo Casarin

09/08/2017 08h30

Contar a história do Brasil pela perspectiva de suas crianças. É isso que o quadrinista José Aguiar fez em "A Infância do Brasil", trabalho que acaba de lançar pela Avec. Na obra, o autor parte do século 16 até chegar no 21 retratando como era ou é ser criança no país, apresentando as mazelas às quais os pequenos mais pobres e marginalizados foram e estão expostos.

No século 16, Aguiar mostra o nascimento de uma garotinha prontamente rejeitada pelo pai que queria um menino. No 17, indiozinhos sendo explorados por aqueles que desejavam "salvar" suas almas. No 18, o drama de crianças abandonadas à própria sorte que precisavam se virar para sobreviver em um país ainda tomado por florestas. No 19, as discussões a respeito de filhos de escravos e as artimanhas dos mais ricos para manter os negros como propriedade, mesmo após a Lei do Ventre Livre entrar em vigor. Já no 20, como as indústrias exploravam a mão de obra infantil. Finalmente, nos nossos dias, o autor foca a história naqueles que trabalham nas ruas, vendendo mercadorias ou mendigando em semáforos, um reflexo de no que descambou todo o passado do Brasil.

Chama a atenção algumas cenas ambientadas em séculos anteriores que se assemelham ao que estamos vivendo hoje. Sobre regras para o trabalho, por exemplo, um patrão que explora seus funcionários brada: "Viu essas novas leis trabalhistas que estão discutindo? O governo ficou louco com esse paternalismo populista. Não entendem que oferecendo emprego eu dou oportunidade de tirar as crianças da marginalidade? Melhor trabalhando do que largados na rua, fazendo arruaça e roubando os cidadãos de bem". Qualquer semelhança com o que ouvimos por aí não é mera coincidência.

Aguiar também faz conexões diretas entre o passado do Brasil e situações do presente. Quando fala sobre a escravidão e como as crianças já nasciam presas aos "donos" de seus pais, ao cabo lembra que hoje muitos nascem dentro de presídios e só podem ficar com suas mães na cela durante certo tempo. "Foi duro, mas consegui ficar com o Gabriel junto de mim. Mas ele só pode ficar comigo até ter sete anos. Daí, como não tenho família, vão mandá-lo para um abrigo. Depois, não sei… Tenho medo de pensar… Talvez tudo o que me reste dele sejam as fotos…", reflete uma mãe detenta na iminência de perder, talvez para sempre, o contato com seu rebento – sofrimento que qualquer senhorio poderia causar a uma de suas escravas. A verdade é que em muitos aspectos, para boa parte dos pequenos, pouco mudou nesses mais de 500 anos.

"Os quadrinhos são baseados em legítima historiografia e retraçam temas de sociedade, nos convidando a refletir, a nos conhecer melhor. Longe de convocar 'grandes homens' ou 'episódios de batalhas', o quadrinista recupera a história da infância no Brasil, mostrando que, há mais de cinco séculos, crianças brasileiras sofrem os mesmos problemas: violência, pobreza, fome, desigualdade na educação, na saúde e na cidadania. E, por que não, sofrem de desamor", aponta a historiadora Mary del Priore no prefácio da obra, que ainda conta com artigos que contextualizam a infância em cada século assinados por Claudia Regina Moreira, também historiadora.

"A Infância do Brasil" nasceu como uma webcomic e está disponível na íntegra neste link. A versão impressa da obra está sendo lançada na "Banca de Quadrinistas", que faz parte do "Caminhos da HQ", evento que o Itaú Cultural promove este mês em São Paulo. Veja aqui mais informações.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.