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Comparado ao dono do Facebook, ele driblou a depressão e se tornou um dos jovens mais influentes do mundo

Rodrigo Casarin

04/08/2017 09h43

"Com uma fúria feroz, escrevi durante meia hora sem parar. Simplesmente despejei tudo naquela página. Era como vomitar com tinta preta todos os meus piores medos na vida. Quando meu pulso começou a doer de tanto rabiscar a página e minha cabeça começou a latejar com tantos pensamentos, por fim parei. Achei que talvez eu devesse passar tudo a limpo para que ficasse mais fácil de entender. Era um pé no saco não conseguir escrever de maneira apropriada algo tão permanente como uma nota de suicídio".

Em um quarto, acompanhado apenas por uma garrafa de vodca e comprimidos suficientes para dar cabo de sua vida, Kevin Breel vivia aqueles que, acreditava, seriam seus últimos momentos. Enfim, com 16, 17 anos, colocaria um ponto final em toda sua angústia, acabaria com suas dores, aliviaria de vez a pressão que sentia.

Kevin cresceu em uma pequena ilha da costa oeste canadense. Criado em uma casa onde os pais viviam sob o mesmo teto, mas não demonstravam nenhum tipo de afeto recíproco – o pai, para piorar, era alcoólatra -, desde cedo se mostrou uma pessoa bastante sensível. Escrevia cartões para parabenizar amigos pelos aniversários e, quando ia à casa de alguém, sempre deixava que o colega ganhasse qualquer jogo, garantindo a felicidade alheia.

"Eu era um adolescente inseguro e ansioso para causar boa impressão e ser amado […]. Em bem pouco tempo, comecei a me achar muito esquisito. Essa era uma crença silenciosa e pessoal que eu não ousava contar a ninguém por medo de que pudessem voltar um holofote para mim e dizer: 'Ahá! Você é uma aberração, social e emocional". Tudo isso, aliado à "cara de 'me bata'" que ele mesmo dizia ter, fez com que, na escola, se tornasse o alvo perfeito para as mais diversas práticas de bullying.

Por volta dos 12 anos, Kevin ainda teve uma notícia que lhe abalaria para sempre. Estava viajando de férias quando recebeu uma ligação do seu pai: "Oi, Kev… Sinto Muito, cara. Mas… Jordan… Jordan sofreu um acidente de carro, e Jim acabou de me ligar para dizer que ele não resistiu". Jordan, seu melhor amigo, um dos alicerces para que suportasse o colégio e a vida, não estava mais neste mundo.

"Você poderia simplesmente se matar"

Como a existência segue sua toada, Kevin cresceu, mas cresceu com seus conflitos, problemas e angustias. Quando chegou aos 16 anos, se odiava, mas não deixava isso transparecer. "Fazia questão de que todo mundo pensasse que eu me amava, quase ao ponto do narcisismo, para que assim não achassem que eu não era normal ou algo igualmente horroroso". Enquanto isso, matinha a autoaversão como uma espécie de "segredo pessoal e maravilhoso tão bom que eu não ousava macular".

Em um momento mais positivo, o jovem até chegou a encontrar algum sentido para sua vida: queria achar "uma maneira de contribuir para tornar o mundo e as pessoas perfeitos". Sim, só isso. Queria combater as divisões entre "oprimidos e opressores, entre ricos e pobres, entre os que dormiam em camas e os que dormiam no asfalto". Quando notou que não conseguiria dar um jeito no planeta, a depressão lhe arrebatou e o levou para um lugar profundo e sombrio.

A primeira vez que Kevin pensou em se matar foi durante um passeio corriqueiro. Parado em uma banca de maçãs, em um dia de céu azul e sol forte, tinha a impressão de que todos estavam felizes, exceto ele. Foi aí que lhe veio à cabeça: "Bem, se tudo é tão ruim assim, você poderia simplesmente se matar".

O pensamento logo descambou na cena que abre esta reportagem. Kevin, no entanto, conseguiu frear seu impulso suicida. Depois, com a ajuda da mãe, tratamentos, aconselhamentos, cuidados, novos conflitos superados e um momento catártico, aprendeu a lidar com os sentimentos que lhe levaram à depressão – algo que sabe que pode voltar a qualquer momento."Quase pôr fim à própria vida muda o jeito como você vê o resto da sua vida".

Ativismo contra a depressão

Toda essa história está contada com muito mais detalhes em "Confissões de um Adolescente Depressivo", livro autobiográfico de Kevin que acaba de sair no Brasil pela Seoman, selo do Grupo Editorial Pensamento – e de onde retirei todas as citações desta matéria. Antes de escrever a obra – de linguagem simples, às vezes quase ingênua, que vale pelo alerta que traz -, o jovem, então com 19 anos, já tinha chamado atenção para sua história ao realizar uma palestra no TED que já foi visualizada por mais de 4 milhões de pessoas.

Hoje com 23 anos, Kevin é escritor, comediante e ativista. Por conta do trabalho que faz alertando sobre como devemos lidar com a depressão e as pessoas depressivas e quão importante é nos atentarmos para a saúde mental nossa e daqueles que nos cercam, foi apontado pela revista "Parade" como uma das seis pessoas "mais influentes da geração do milênio", sendo colocado ao lado de nomes como Mark Zuckerberg, um dos fundadores do Facebook, e Malala Yousafzai, paquistanesa que desafiou os talibãs e se tornou a pessoa mais jovem laureada com o Nobel da Paz.

Convidado para palestrar até mesmo em universidades de ponta, como Harvard, Yale e MIT, enfatiza principalmente que aqueles sofrem de algum traço da depressão devem reconhecer o problema e buscar ajuda, enquanto todos os outros têm a responsabilidade de estender a mão e jamais diminuir esse tipo de problema. Achar que o depressivo é um fraco ou que está de frescura é a pior atitude que qualquer pessoa pode ter perante aquele que necessita seriamente de auxílio.

Em sua palestra no TED, cujo vídeo está abaixo, Kevin aponta que a cada 30 segundo alguém tira sua própria vida no mundo – prática que vem aumentando principalmente entre os jovens. Dois suicídios de músicos, aliás, colocaram recentemente o assunto em pauta: o de Chester Bennington e o de Chris Cornell. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil é o país com o maior número de pessoas com transtorno de ansiedade no planeta e o quinto maior em taxas de depressão. Em certo momento de seu livro, Kevin faz uma breve descrição do que é estar depressivo:

"A depressão tem essa coisa de fazer 'murchar' o tempo todo. Ela tira todo o seu entusiasmo e a sua pureza, como um balão perdendo o gás. É lento e gradual. Mas um dia você acorda e vê que perdeu todas as partes de você que faziam com que se sentisse você mesmo. De repente você está aprisionado no seu corpo e nas suas próprias crenças nefastas, e lhe falta perspectiva para sair disso".

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.