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Major Tom, Ziggy Stardust e universo de David Bowie inspiram “viagem espacial” de poeta premiado

Rodrigo Casarin

26/05/2017 09h48

David Bowie mudou de planeta em janeiro do ano passado. Desde então, diversas homenagens foram feitas ao Camaleão aqui na Terra. No Brasil, um dos tributos ao grande músico vem do poeta Alexandre Guarnieri, vencedor do Prêmio Jabuti de 2015 com o livro "Corpo de Festim". É Guarnieri quem assina os poemas de "Gravidade Zero", título cujos versos são inspirados na obra de Bowie.

"Bowie sempre me instigou. Sua capacidade ilimitada de se reinventar é cara à poesia", diz o autor em entrevista ao blog. Publicado pela Penalux, o livro é dividido em três estágios e conta a história de um astronauta perdido pelo espaço que resolve escrever poemas para compartilhar tudo o que presencia fora de nossa órbita e para refletir sobre o sentido da vida no já distante planeta Terra. Sim, músicas como "Space Oddity", "Hallo Spaceboy" e "Ashes to Ashes" são referências diretas para os versos de Guarnieri, bem como Major Tom, cosmonauta criado por Bowie.

"Como fã de ficção científica desde a minha infância, personagens como Ziggy Stardust e o Major Tom sempre me fascinaram. A ideia de um astronauta martirizado, um kamikaze lançado ao espaço, surgiu como uma reinterpretação do astronauta de Bowie. Outros elementos me alimentaram durante o processo de escrita do livro, como o cinema e a literatura, mas, para mim, o rock tem uma potência unificadora e foi permitindo colar todas essas referências por intermédio do Major Tom", explica o autor.

Guarnieri ainda conta que o músico foi importante em etapas cruciais de sua vida. "Bowie sempre foi importante em momentos que me vi forçado a mudar de direção, me adaptar em face de alguma adversidade. Vejo em Bowie a encarnação da arte e da poesia, estética e vida ligados intimamente, em constante transformação. Tanto que até na própria morte ele conseguiu criar estética. Uma capacidade admirável. Infelizmente ele faleceu no processo de finalização do livro e isso também foi incorporado de forma sutil, tomando a forma de homenagem póstuma. Espero sinceramente ter honrado o grande inventor que ele foi e continuará sendo ao inspirar as gerações futuras".

Veja um poema de "Gravidade Zero":

"mrs. major tom"
seu último adeus entrevisto da escotilha
antes da contagem regressiva, houvesse
para ela um local definitivo, o destaque adequado
além da janela de um belíssimo quarto decorado,
ou desta câmara branca; no centro do drama,
cada piloto com sua própria dama, repudiada ou
merecida, megera ou santa, o melhor momento,
congelado fotograma, repousa no anacrônico
porta-retrato, entretanto um fato permanece
insuspeitado: enquanto sonha do leito criogênico,
divagando no idílio de uma vista fictícia
a um extravagante motel construído num acelerador
de partículas, há pelo menos vinte séculos terrenos,
sua mulher, e os filhos (se os tivesse tido, ou
os que de fato teve num universo alternativo),
seus bichos, da família os entes mais queridos,
toda a carne reconduzida ao pó, todos já morreram
na Terra há, pelo menos, algumas centenas de décadas!

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.