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Conheça a história dos missionários portugueses que foram torturados por budistas após pregarem o cristianismo no Japão do século 17

Rodrigo Casarin

05/05/2017 12h13

No século 16, em meio a diversos movimentos para a expensão do catolicismo, um dos lugares que recebeu padres portugueses foi o Japão. Por mais que pareça improvável o triunfo de uma missão em um país tão distante do extremo oeste europeu, com cultura e língua tão diferentes de Portugal, os missionários fizeram sucesso no arquipélago. Apoiados também por um esquema de comércio, foram bem recebidos tanto pelos habitantes comuns quanto pelos mandatários locais. Estima-se que em pouco tempo 30 mil japoneses já tinham sido convertidos à fé católica, número que, até o começo do século 17, quando centenas de igrejas já se espalhavam por aquele território, pode ter chegado a 300 mil.

Entretanto, tal sucesso passou a incomodar os chefões do país que vivia um momento de unificação. Fieis ao budismo, as forças do governo apontavam para os estrangeiros e para as crenças que levaram ao arquipélago como inimigos de Buda e dos deuses. Passaram, então, a reprimir tanto os missionários quanto os japoneses que já tinham sido convertidos. Padres deveriam ser expulsos do Japão e os cultos católicos estavam proibidos. Restava a clandestinidade aos "homens de Cristo".

A perseguição ficou ainda mais dura quando Tokugawa Ieyasu assumiu o poder, fundou o xogunato Tokugawa e acusou os estrangeiros de obedecerem ao papa, não às leis japonesas. O estado exigiu que todos os moradores da ilha fossem registrados em templos budistas e, com apoio de monges, torturou – e, em muitos casos, matou – boa parte dos que insistiram com o cristianismo.

Dentre as práticas favoritas dos torturadores estavam deixar o cristão de cabeça para baixo em um poço, com um pequeno corte na testa, para que o sangue de seu corpo minguasse aos poucos e a crucificação no mar, de forma com que a maré, quando alta, se aproximasse da boca da vítima. O grande objetivo, no entanto, não era levar os cristãos à morte lenta e cruel, mas fazer com que eles apostatassem, ou seja, renegassem sua fé. Como prova de que não acreditavam mais no que criam, os até então católicos eram obrigados a pisar na imagem de Jesus Cristo ou Virgem Maria, prática que ficou conhecida como "fumiê".

"Silêncio"

Toda essa história está retratada no livro "Silêncio", do japonês Shusaku Endo, obra publicada originalmente em 1966, lançada no Brasil pela Tusquets e recentemente levada ao cinema por Martin Scorsese. Endo se apoia em muitos elementos reais para construir uma narrativa que simboliza extremamente bem todo o sofrimento dos católicos no Japão entre os séculos 16 e 17. Utilizando como personagens figuras que realmente existiram, ainda que deslocados de seu tempo, apresenta uma dupla de missionários jesuítas portugueses que viaja para ilha em busca de um padre que teria apostatado.

O par acaba se separando e então acompanhamos os passos de um dos homens, Sebastião Rodrigues, que segue a procura do colega que se perdera na ilha comandada por Tokugawa. O caminho do português no Japão, claro, é conturbado e perigoso. Ao ver como os cristãos são tratados desgraçadamente no arquipélago e, por conta dos acontecimentos, ser exposto a situações moralmente extremas, o próprio missionário acaba por colocar em cheque a sua fé.

"'Silêncio' é a história de um homem que aprende – tão dolorosamente – que o amor divino é mais misterioso do que imagina […]. Para mim, é a história de alguém que começa seguindo o modelo de Cristo e acaba interpretando outra vez o papel de Judas, o maior vilão do cristianismo. Ao fazê-lo, vem a entender o papel daquele apóstolo", escreve Scorcese em texto apresentado como prefácio da edição publicada por aqui. Muito bem escrito, com uma história forte e improvável e com um personagem em profundo conflito interno enquanto seu corpo também é martirizado, "Silêncio" é mesmo um ótimo livro.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.