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Lula, Dilma, FHC, Temer, Serra, Sergio Moro, Globo… todo mundo está no livro assinado pelo pseudônimo Eduardo Cunha

Rodrigo Casarin

25/04/2017 14h36

"Dilma Roussef!! Com certeza o tal Eduardo Cunha (pseudônimo) é a Dilma!!"

É o que crava Eduardo Cunha, o personagem de "Diário da Cadeia", ao imaginar quem seria o responsável por produzir um livro utilizando seu nome. Antes de ler uma nota informando que Dilma pensava em escrever um romance policial e chegar a tal conclusão, Cunha – o do livro, claro – andava sondando que a ousadia talvez viesse do jornalista Mario Sergio Conti ou do juiz Sergio Moro.

Com a liberação (ainda não definitiva) da justiça para que "Diário da Cadeia", publicado pela Record, circule e a revelação das mãos por trás do autor – o escritor Ricardo Lísias, não Dilma Rousseff -, vamos, enfim, ao texto assinado por Eduardo Cunha, o pseudônimo homônimo ao ex-deputado que, como o personagem, está preso. Sim, "Diário da Cadeia", como já dito em outras oportunidades, é uma obra na qual a realidade e a ficção se cruzam a todo momento, uma sátira que busca emular os dias de Cunha no presídio até o final de 2016 e, por meio desses relatos imaginados, mas plausíveis, acaba satirizando também toda a cena política nacional.

No livro temos um Cunha que alterna entre a escrita de seu diário e a do livro "Impeachment", onde exporia os bastidores da política nacional a partir do assassinato de PC Farias. A cada linha fica evidente que o narrador adora e teme Deus, enquanto odeia profundamente o PT e o comunismo – e jura que o PT é um partido comunista, claro. "O PT tomou conta da cabeça de todos. É mais fácil tirar os do PT do governo do que da cabeça de todo mundo. Ninguém é melhor do que Deus", queixa-se.

É interessante notar como o personagem lida com a corrupção: para ele, o dinheiro que políticos ganham ilegalmente de empresas representa o pagamento pelas "horas extras de trabalho" e constituem um pilar essencial para a geração de empregos e o crescimento do país. "Não há nada estranho no fato de as empresas pagarem um dízimo, que se trata simplesmente de uma taxa de manutenção, para que pudéssemos organizar melhor o crescimento brasileiro", afirma. Bem mais adiante, aprofunda-se na ideia: "Um dos objetivos dessa operação Lava Jato é fazer o Brasil virar Cuba. Do contrário, não acabariam assim dessa forma com as empresas brasileiras. Quando não houver mais empresa, só vai existir o quê? O Estado. É isso que esses juízes, procuradores e policiais querem, lógico, aliás é o Estado que sustenta eles".

Temer: poeta e sensível, mas sem conhecimento da alma humana

As melhores partes de "Diário da Cadeia" são as que Cunha destila veneno contra outras figuras, digamos, homônimas a personagens reais de nossa política. Sobre uma propina para José Serra, escreve: "Tenho certeza que o Serra não tem um arquivo que vale 23 milhões. Ele não tem habilidade para isso. O Serra é um cara que fala bobagem e leva taça de vinho na cara, nunca conseguiria um arquivo desse valor. O Odebrecht podia ter inventado outra".

Já sobre os ex-presidentes e o atual, registra: "O Michel Temer é que vai ter que pensar bastante no Odebrecht em 2017. Vai fazer muita poesia, o nosso poeta presidente. É impressionante: uma quer escrever um livro policial, o outro faz poesia. Do Fernando Henrique eu nem falo. Imagina ele fazendo biquinho e falando francês. Nesse caso o Lula destoa bem desse grupo todo".

Temer ainda aparece em diversas outras oportunidades, como nesse registro que mistura ciúmes e inveja da parte de Cunha: "Sem falar no acordo do Michel Temer com a TV Globo. Todo mundo viu as entrevistas arranjadas dele e o jeito que os jornalistas da Globo olham para ele. Nunca olharam para mim daquele jeito". Ou nesse: "É uma característica de Michel Temer; sempre que se vê ameaçado ele divulga alguma coisa: um whatsapp, uma carta, até poesia o sensível faz!". E, apesar de considerar Temer "sensível", avalia seu "conhecimento da alma humana" como "catastrófico".

Personagem que não se toca da situação que está vivendo, Cunha trata a cela como um endereço temporário para onde se mudou a fim de escrever um livro e chega a dizer que recebe visitas em sua "sala de estar". Desconfiado de tudo, tem certeza de que uma câmera o vigia constantemente, mesmo com todos dizendo que isso não passa de paranoia e com ele próprio não tendo indício algum que embase a suposição. Certa hora, decide que seria uma boa organizar uma igreja dentro da cadeia e para isso tenta convidar "Daltan Dalanhol" – quem, em outro momento que me rendeu uma boa risada, avalia ter um conhecimento de pacote Office, sobretudo Powerpoint, "catastrófico" – e Janaína Paschoal.

"Diário da Cadeia" é um bom livro?

Apesar de toda a situação, a impressão que fica é que estamos diante de alguém bastante cínico e pragmático, mas não intrinsecamente maligno. Para Cunha, todos os desvios apresentados no livro fazem parte de um jogo que os políticos jogam, apenas isso. Aliás, a todo instante ele repete que está sendo condenado por ter cometido um "crime que não era crime antes".

"Diário da Cadeia" é um livro bom livro? Encarando pela perspectiva política, é ótimo que uma sátira dessas surja no Brasil nesse momento pelo qual o país passa. Que nossos mandatários se sintam minimamente incomodados com uma representação muitas vezes nefasta e, infelizmente, pelo que as denúncias e julgamentos nos mostram, bastante próximas do real.

Já se o bom significar "bem escrito", aí uma contextualização se faz necessária. O texto possui muitos problemas, como é possível notar em alguns trechos apresentados nesta resenha: pontuação falha, nomes trocados ou errados (no sobrenome de Dilma na citação que abre este texto, por exemplo, falta um "F" em Rousseff e, linhas acima, o de Dallagnol também está equivocado), parágrafos desconexos, ideias que se repetem sem propósito estético algum… No entanto, pelo que sabemos, Eduardo Cunha nunca se destacou por ser um exímio escritor, então, nesse aspecto, mérito para Lísias ao criar um texto todo descuidado para o pseudônimo.

Ainda assim, "Diário da Cadeia" possui alguns pontos de contato com outros trabalhos de Lísias, a começar pelo tom provocativo da obra. Além disso, certas transformações que acontecem de forma sutil no meio de frases ou ideias repetidas exaustivamente lembram a narrativa de "O Livro dos Mandarins", romance de 2009, enquanto reações intempestivas de Cunha, o personagem de "Diário da Cadeia", assemelham-se a Ricardo, o protagonista de "O Céu dos Suicidas", de 2012. "O Livro dos Mandarins" e "O Céu dos Suicidas", aliás, continuam sendo meus trabalhos favoritos de Lísias.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.