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História de “O Filho Eterno” perde força na adaptação para o cinema

Rodrigo Casarin

30/11/2016 15h26

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Publicado em 2007 pela Record, "O Filho Eterno", de Cristovão Tezza, ganhou praticamente todos os prêmios que podia: Portugal Telecom, São Paulo de Literatura, APCA, Jabuti… Hoje, difícil qualquer lista de romances nacionais contemporâneos que não o cite como um dos principais. Caso ainda mais raro, o sucesso de crítica também virou sucesso de público, tanto que quase 80 mil exemplares do título já foram vendidos.

Capa O Filho Eterno AG V2.inddA obra narra como a rotina de um homem é fortemente abalada após o nascimento do seu primeiro filho, Felipe, uma criança que, como diz o médico, tem um pequeno problema: mongolismo. De cara, o pai rejeita fortemente o rebento com síndrome de down e procura maneiras de que aquele ser não atrapalhe sua vida justamente no momento que sua carreira de escritor começa a decolar. Porém, em meio a um turbilhão de sentimentos, de maneira sutil o pai passa a aceitar, entender e se apaixonar pela criança.

"O Filho Eterno" agora foi adaptado para o cinema com produção de Rodrigo Teixeira e direção de Paulo Machline. O longa homônimo, que estreia amanhã nas salas do país, traz Marcos Veras interpretando o pai, Pedro Vinícius no papel do filho e Débora Falabella como a mãe do garoto. Poderia ser mais uma grande obra de arte, mas…

Em que pese a responsabilidade de se trabalhar sobre um dos nossos textos mais importantes nas últimas décadas, o filme não consegue levar para a telona aquela que talvez seja a principal virtude do romance: mostrar a transformação interna do pai – a aceitação e, digamos, o encantamento pelo filho – de maneira gradual e sutil, sem grande estardalhaço.

A adaptação também faz escolhas que distanciam consideravelmente o filme do romance. Machline opta, por exemplo, por usar a trajetória da Seleção Brasileira entre as Copas de 1982 e 1994 como pano de fundo e ponto de transformação no contato entre pai e filho. Além da alternativa render algumas cenas que se assemelham a comerciais de cerveja, foge bastante da maneira que o esporte aparece no livro de Tezza, no qual é a paixão pelo Atlético Paranaense que surge como um dos principais pilares da relação do pai e Felipe. Qualquer torcedor sabe que normalmente há uma distância abissal entre os sentimentos (e o que eles podem provocar) relacionados ao clube e à seleção. É acompanhando o futebol no dia a dia – algo inerente aos times, não aos selecionados – que vínculos podem ser  construídos e estabelecidos.

tezzaA visão de Tezza

Tezza, no entanto, apesar de ter ressalvas, gostou do filme. "É uma boa história, bem contada, que segura o espectador do começo ao fim. Também me agradou muito o fato de se centrar no drama do pai (aliás, com um Marcos Veras excelente), e não na criança especial, o que acaba sempre puxando pelo piegas e pela exploração sentimental. O que me desagradou? O que desagrada todo escritor que vê um livro seu na tela: será sempre uma outra obra, de outro autor. E, obviamente, é inevitável que muito do livro fique de fora. Mas essa é a regra do jogo", diz em entrevista ao blog.

Por opção pessoal, o escritor em nenhum momento interferiu no roteiro do longa. "Acho que uma adaptação é uma leitura particular, autoral, do diretor do filme, e essa leitura deve ser respeitada. Literatura e cinema têm muitos pontos em comum, mas são linguagens substancialmente diferentes – uma adaptação 'fiel' não existe. Se alguém assiste a uma adaptação esperando fidelidade ao livro, vai se frustrar, sempre. Um filme é um recorte de escolhas (limitadas, também, pelos recursos da produção), o que fará dele sempre uma outra obra, com outro autor".

Ao falar da diferença entre as obras, lembra que "era preciso transformar uma ficção de natureza fundamentalmente reflexiva, em vários momentos quase abstrata, em algo que possa ser narrativamente 'mostrado', que é o que o cinema faz: mostra as coisas acontecendo. E é claro que, nessa passagem, paga-se uma taxa de infidelidade". Cita a presença da mãe ("uma personagem ficcionalmente fraca, compensada entretanto pela força da interpretação da Débora Falabella"), quase ausente em seu livro e bastante presente no filme, e do pai do personagem, como alguns dos aspectos mais dissonantes entre os trabalhos. E, a respeito da Seleção Brasileira no lugar do Atlético Paranaense, considera ter sido uma "'infidelidade fiel' uma boa maneira de amarrar a história, aproveitando o sentido que a paixão pelo futebol tem no livro na socialização do filho e na aproximação do pai".

O título é o primeiro livro de Tezza que vira um longa-metragem – "Beatriz" já tinha sido transformado em dois curtas: "Beatriz e a Velha Senhora", de Leo Del Castilho, e "Aula de Reforço", de Rodrigo Séllos. "Sempre sonhei em ver livros meus na telona, mas curiosamente não 'O Filho Eterno', que é uma história mais reflexiva que narrativa, muito difícil de adaptar", conta. "Caio Blat comprou os direitos do meu romance 'Juliano Pavollini', que é uma história mais imediatamente adaptável, por assim dizer. E estou em negociações para a adaptação do romance 'Trapo', que é outro livro que dá filme – já foi uma peça de teatro de sucesso, nos anos 90", completa o escritor.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.