Marcelo Gleiser fala de pesca e critica arrogância científica em novo livro
Pesca fly: técnica na qual, a grosso modo, o pescador usa iscas artificiais e tenta fisgar o peixe na superfície do rio. É a partir da história de como descobriu o hobby e passou a praticá-lo que Marcelo Gleiser, professor titular de filosofia natural e de física e astronomia na Dartmouth College e figura conhecida de programas de televisão, constrói o seu novo livro, "A Simples Beleza do Inesperado" (Record), ensaio no qual reúne memórias, reflexões sobre ciência, fé e os limites do conhecimento e, claro, um bom tanto de física.
Encarando a pesca como um símbolo que representa a solidão do ser humano frente a natureza e as incertezas da vida – afinal, pescaremos ou não o peixe que sequer vemos? -, o autor filosofa sobre a importância das pessoas estarem sempre atentas para o belo, que pode surgir inesperadamente em qualquer momento. Segundo o físico, a missão do livro é fazer com que as pessoas resgatem sua essência e passem a viver com intensidade e de maneira mais generosa e apaixonada.
Sim, como já deve ter sido possível perceber, "A Simples Beleza do Inesperado" tem um tom constante de autoajuda, mas não que isso incomode Marcelo. "Toda filosofia é uma forma de autoajuda. É por isso que criamos, para nos ajudar. Pensamos o mundo para nos entender melhor nele. O significado pejorativo do termo vem da comercialização de respostas fáceis, empacotadas. Não acho que seja esse o propósito do 'Simples Beleza'", diz ele, também autor de livros como "A Dança do Universo" e "O Fim da Terra e do Céu", em entrevista ao Página Cinco.
Racionalismo que cega
Uma das partes mais interessantes da obra é quando Marcelo recorda de uma passagem de sua juventude no Rio de Janeiro. Após sua família receber uma suposta maldição vinda de uma ex-empregada, estantes com bebidas desabaram exatamente ao mesmo tempo em sua casa, sem que nenhum fato lógico (um leve tremor de terra, por exemplo) pudesse ter ocasionado aquele festival de vidro estilhaçado.
Esse dialogo entre o racional, o científico, o espiritual e o místico é algo permanente no livro, aliás. "Um cientista arrogante, que acha que sabe tanto, é feito um pavão com plumas faltando e sem um espelho para se enxergar. Aliás, o mesmo pode ser dito sobre todos os tipos de arrogância, não só dos cientistas", escreve.
Fácil de perceber a semelhança entre essa arrogância despenada e a maneira que muitas pessoas se portam atualmente, em especial quando estão atrás de um celular ou computador. "É interessante esse fenômeno que vemos. De repente, todo mundo virou expert. Escrevo um blog lá nos Estados Unidos para a National Public Radio e, nos comentários de leitores, encontro afirmações absurdas, mas extremamente convictas. Com o acesso à informação tão amplo, o desafio é saber discernir informação de desinformação, o que às vezes não é fácil. A internet permite uma colisão de ideias que nunca antes foi possível para tantos. Isso pode ser tanto inspirador quanto desesperador…", opina o autor.
Gleiser também é crítico àqueles que possuem uma "fé" cega na ciência e em diversos momentos fala sobre os males do "racionalismo excessivo", que, segundo ele, "pode acarretar numa cegueira, numa falta de autocrítica, por falta de uma visão mais abrangente do saber. Existem muitos modos de se conhecer o mundo, e a metodologia científica é um deles, com propósito definido. É essencial como ferramenta de descrição do mundo natural, mas não é a única que temos para vermos o mundo e suas várias facetas".
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