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Escritora alcança mais de 1 milhão de fãs aliando ternura, desenho e poesia

Rodrigo Casarin

19/10/2016 14h28

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Em 2011 que a publicitária Clarice Freire, 28 anos, começou a postar em um blog as poesias com imagens que cria, aliando versos e delicados desenhos. Em 2013, passou a mostrar o trabalho também em sua página no Facebook, a "Pó de Lua", e desde então angariou uma imensidão de fãs, tanto que hoje possui mais de 1,2 milhão de seguidores. Em 2014, o projeto virou livro pela Intrínseca, mesma casa que agora lança a segunda obra da autora: "Pó de Lua Nas Noites em Claro".

Foto: Leo Aversa

Foto: Leo Aversa

Nesse novo título, o leitor acompanha uma personagem insone que passeia pelas ruas quase desertas de uma cidade durante a madrugada, encontrando com personagens típicos e curiosos, como um homem que vaga por viadutos, um vigia noturno e um carteiro que realiza entregas às três da manhã. Tudo parece servir de premissa para que Clarice crie frases que dificilmente se sustentam sem que os recursos gráficos e desenhos sejam levados em conta, como a apresentada acima.

Segundo a autora, há vezes que as ideias lhe ocorrem e ela precisa imediatamente de um papel para registrá-las. E a impressão que dá ao ver seu trabalho, bastante marcado pela ternura, é que tudo acontece assim, naturalmente, sem sofrimento. "Algumas poesias surgem praticamente prontas mesmo e eu só preciso colocá-las para fora, dar-lhes corpo e cor. Outras refletem experiências diversas: olhares, conversas, silêncios, saudades e, claro, sofrimentos. O sofrimento algumas vezes demora para virar poesia. Outras vezes não. Há, contudo, um processo trabalhoso presente em toda a minha poesia, porque ela é feita à mão, delicadamente. Nada vem cem por cento pronto…é preciso lapidar, trabalhar, trocar uma palavra por outra. É como a obra de um artesão que usa as palavras como matéria-prima. Tudo é um conjunto de inspiração, paciência e dedicação".

Da mesma forma, a artista não tem regra para iniciar suas criações: às vezes parte do desenho, em outras, do texto, isso quando não se alterna entre traços e versos. "Tento sempre encontrar a melhor maneira de retratar o que está se passando aqui dentro. Procuro também formas de brincar com o leitor, de fazê-lo 'lutar' pela poesia, para compreendê-la totalmente. É um processo delicioso".

Apesar desse formato híbrido, no entanto, Clarice se enxerga mais como uma escritora do que como uma artista gráfica. "Os que discordam dizem que os dois lados estão presentes em mim na mesma medida. Pode ser. Eu não acharia isso ruim. Mas minha ilustração é dependente da palavra na maioria das vezes e não o contrário. Outra coisa que me revela e que amo é a prosa. Sempre encontrei na prosa 'crua' (sem ilustrações) uma das maneiras mais eficazes de me escreVER. Por isso a forma, para mim, serve à palavra. A palavra tem a primazia".

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Filha de Wilson Freire, parceiro do compositor Antônio Nóbrega, e prima do também escritor Marcelino Freire, Clarice acredita que o poeta é "alguém que se recusa a fechar os olhos ao insignificante" e em sua página na internet se define como uma "apaixonada por tudo o que é esquecido". Um dos momentos decisivos para que encarasse o mundo dessa forma, conta, se deu assistindo ao filme "Casa de Areia", de Andrucha Waddington, com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres no elenco. "Na história, mãe e filha passam a vida entre as dunas de um deserto, cercadas de areia, imaginando o que existe na Lua. Um dia a filha sai daquele lugar e descobre que o homem já pisou na Lua, então volta e conta a novidade para a mãe", conta a autora, que relata o diálogo que as personagens, então, travam:

– Mãe, o homem pisou na Lua!
– E o que tem lá, filha?
– Areia.

A artista ficou profundamente tocada pela conversa que considera fantástica. "Passamos grande parte da vida imaginando que o extraordinário está distante, 'na Lua', enquanto na verdade ele está ao nosso redor. Nós olhamos para o lugar errado com frequência. Por isso eu tenho um gosto especial por tudo o que é esquecido. A filosofia ensina que 'tudo o que precisamos para sermos bons filósofos é a capacidade de nos admirarmos com as coisas'. O mundo é extraordinário, mas nós nos acostumamos facilmente com ele. Tudo vira costume. Vira cegueira".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.