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Jennifer Niven: precisamos falar com os jovens sobre depressão e suicídio

Rodrigo Casarin

27/08/2016 11h07

 

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Uma das atrações da Bienal do Livro de São Paulo deste sábado, onde fará uma palestra às 16h na Arena Cultural, principal espaço do evento, a norte-americana Jennifer Niven vem ao Brasil pela primeira vez para falar sobre um assunto importante, mas longe de ser divertido: como tratar a depressão ainda é um tabu na literatura juvenil.

Jennifer é autora do young adult "Por Lugares Incríveis", publicado por aqui pela Seguinte, que já teve os direitos vendidos para 37 países e que chegará às telonas em 2017 com Elle Fanning no papel principal. A obra narra a história de Violet Markey e Theodore Finch, adolescentes que por motivos diferentes tornam-se depressivos e com tendências suicidas, mas que acabam por se ajudar a superar as adversidades. "Jovens estão sofrendo de depressão, problemas mentais e cometendo suicídios, e ignorar esses assuntos não vai fazer com que o problema seja solucionado", diz a escritora na entrevista abaixo, que concedeu com exclusividade ao UOL.

"Holding Up the Universe", o próximo livro da autora que sairá por aqui, em novembro, trata outro assunto delicado para muitos adolescentes: a obesidade. "Senti que esses protagonistas obesos não estão devidamente presentes na literatura young adult, e eu quis criar uma personagem que, apesar de estar acima do peso, não deixa que isso a defina. Ela não está preocupada em ficar magra. Ela está feliz consigo mesma e com seu corpo, ela é forte, segura, e é importante mostrar isso para os jovens", crê Jennifer. Filha da escritora Penelope Niven, a norte-americana também já escreveu quatro romances adultos e três livros de não ficção, um deles resgatando suas memórias de quando cursou o ensino médio.

lugares incriveis"Por Lugares Incríveis" fala sobre depressão e suicídio. Por que é importante tratar desses assuntos com jovens leitores?
Acho que isso é essencial. A literatura young adult é muito valente e corajosa hoje, e eu amo a maneira que autores não estão se intimidando ao tratar de questões difíceis, que causam impacto nos jovens. Mas ainda há muitos livros que romantizam coisas como depressão, suicídio, automutilação, e querem enfeitar as histórias com um lindo lacinho. Precisamos de narrativas honestas que irão começar diálogos – diálogos que nós precisamos ter. Jovens estão lidando com muitas coisas de uma vez só – o que é agravado pela turbulência emocional típica da adolescência –, para a maioria deles essa é a primeira vez que experimentam pressões e emoções. E isso pode ser massacrante. Muitos adolescentes não conseguem olhar para o futuro. Eles não sabem que ficarão melhores, que a vida pode estar uma escuridão, mas que sempre haverá lugares iluminados por todos os cantos, e que eles podem ser essa luz. Eu ouço de centenas de leitores todas as semanas que eles têm medo de dizer às pessoas mais próximas que têm ansiedade, que eles ficam tão preocupados que não conseguem dormir, que se odeiam, que se sentem inúteis, que querem morrer. Finch mostrou para eles que não estão sozinhos. Os leitores escrevem mensagens para ele e para mim, expondo os seus corações.

Você teve algum problema por conta do livro?
Nós precisamos lembrar uns aos outros que não estamos sozinhos. Precisamos conversar sobre problemas de saúde mental e combater os estigmas. Nós precisamos prestar atenção. Alguns adultos tiveram problemas com meus livros porque eles pensam que autores de young adult não devem escrever sobre depressão, doenças mentais e suicídio. Eles dizem: "Deixe que os jovens aprendam sobre isso quando forem mais velhos, não agora". Eu entendo que isso vem do desejo de proteger as crianças, mas esse tipo de atitude é perigosa. Gostando ou não, jovens estão sofrendo de depressão, problemas mentais e cometendo suicídio, e ignorar esses assuntos não vai fazer com que o problema seja solucionado. Não conversar apenas isola esse adolescente que os adultos tentam proteger. Mostra pro adolescente que é errado se sentir da maneira que ele se sente, e que é errado conversar sobre isso.

É esse tipo de criança que ouço diariamente – as crianças que têm esse tipo de familiar. Esses jovens que sentem que não têm a quem recorrer, que se sentem um fardo, que sentem que ninguém se importa com eles e nem os entende. Quando estava escrevendo "Por Lugares Incríveis", acreditava que escrevia para mim, mas, na verdade, percebi que escrevia para eles.

E como está sendo a experiência de adaptar "Por Lugares Incríveis" para o cinema?
Emocionante! Estou escrevendo o roteiro, que é uma experiência bem diferente de escrever o livro. Nosso diretor, Miguel Arteta, disse que sentia que eu que deveria escrevê-lo porque a história é muito pessoal. E Elle Fanning interpretará a Violet, isso é maravilhoso, ela é exatamente a figura que eu tinha em mente quando estava escrevendo o livro. Ninguém sabia disso quando ela foi convidada para o projeto, o que tornou tudo mais incrível. Ela ficou realmente honrada quando eu disse que a via como Violet desde o começo.

Holding Up the UniverseEm, "Holding Up the Universe", que será lançado aqui no Brasil em novembro, você trabalha com uma protagonista que tem obesidade. Por que resolveu tocar nesse assunto?
Por uma série de razões, a principal é que eu batalhava com meu peso quando tinha meus doze, treze anos, então sei o que isso pode significar. Eu também amo algumas pessoas que sofreram bullyng por conta do excesso de peso, e eu senti que precisava escrever sobre essa experiência. "Holding Up the Universe" é sobre ver e ser visto. Frequentemente nós somos julgados por nossa aparência, pela maneira que as pessoas pensam que nós somos, pelo nosso exterior, não pelo interior. Eu também senti que esses protagonistas obesos não estão devidamente presentes na literatura young adult, e quis criar uma personagem que, apesar de estar acima do peso, não deixa que isso a defina. Ela não está preocupada em ficar magra. Ela está feliz consigo mesma e com seu corpo, ela é forte, segura, e é importante mostrar isso para os jovens. Nós podemos ter diversas formas e tamanhos, e isso é lindo.

Entre seus autores favoritos estão Harper Lee e Nick Hornby. Você pode falar um pouco sobre o que aprecia neles?
Minha autora favorita era minha mãe. Mas, além da Harper Lee e de Nick Hornby, amo Flannery O'Connor e Shirley Jackson. Eles escrevem de forma sucinta e muito poderosa. Dizem muito de forma bastante direta. Têm o talento de ir ao coração de seus personagens somente com algumas pinceladas. Eles têm o dom de nos fazer sentir como se estivéssemos vivendo em suas histórias.

Essa será sua primeira vez no Brasil. Você já teve algum contato com os fãs daqui?
Por meio de redes sociais eu passei a conhecer muitos dos meus fãs, eles são incrivelmente amorosos e solidários. E tão entusiasmados! Não há nada como a experiência de encontrá-los pessoalmente. Estou muito feliz de ter a oportunidade de falar para eles frente a frente o quanto eles significam para mim.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.