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Bienal do Livro de SP começa hoje e consolida youtubers como a moda da vez

Rodrigo Casarin

26/08/2016 08h11

Kéfera com uma multidão de fãs na Bienal do Rio de 2015.

Kéfera com uma multidão de fãs na Bienal do Rio de 2015.

Começa hoje, às 9h, a 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que acontece no pavilhão de exposições do Anhembi e vai até o dia 4 de setembro. O evento mais importante do mercado editorial nacional, ao lado da Bienal do Rio de Janeiro, será marcado este ano pela intensa presença de youtubers, que provavelmente arrastarão multidões de jovens para suas mesas. Para se ter uma ideia do tamanho da aposta em nomes como Maju Trindade, Christian Figueiredo, Kéfera Buchmann e Lucas Rangel, na Arena Cultural, principal espaço da Bienal, pensado justamente para os grandes públicos, das 33 mesas, 12 contarão com celebridades da internet, que dividem a grade de programação do lugar com nomes como o teólogo Leonardo Boff, Maurício de Sousa, pai da "Turma da Mônica", e o filósofo Mario Sergio Cortella. 

RezendeEvil.

RezendeEvil.

E não é só isso. Na própria Arena Cultural, RezendeEvil, youtuber com mais de 8 milhões de seguidores e famoso por seus vídeos sobre o game "Minecraft", será o único convidado a se apresentar duas vezes – no dia 29, às 11h e às 16h. Na página principal do site do evento, fica ainda mais clara a importância dessas web celebridades para a organização da Bienal deste ano: das cinco atrações mostradas como destaques, quatro são youtubers (PC Siqueira, Priscilla Alcântara, Jout Jout e Pam Gonçalves), a única exceção é o norte-americano Mac Barnett, autor de livros infantis.

Claro, isso é apenas um reflexo do momento que vive o próprio mercado editorial. Dos vinte livros mais vendidos no ano até aqui, segundo o Publishnews, site que é referência na área, seis são de youtubers: "Authentic Games", de Marco Túlio, "Dois Mundos, Um Herói", de RezendeEvil – ambos com mais de 100 mil cópias comercializadas –, "Muito Mais que Cinco Minutos", de Kéfera, "Segredos da Bel Para Meninas", de Bel e Fran, "Herobrine – A Lenda", de Pac e Mike, e "De Volta ao Jogo", também de RezendeEvil. No ano passado, dois livros do tipo já tinham aparecido entre os 20 mais vendidos: "Muito Mais que Cinco Minutos", com mais de 197 mil exemplares negociados, e "Eu Fico Loko", de Figueiredo, com vendas que bateram as 137 mil unidades.

"O mercado editorial está sempre em busca de novas tendências. Foi assim com os vampiros, os livros eróticos, os livros de games, os livros de colorir. Agora é a vez dos youtubers, que são a onda do momento, basta olhar a lista dos mais vendidos. Só dá youtuber, da mesma forma que no ano passado só tinha livro de colorir", diz Sônia Machado, presidente do Grupo Record, que tem autores do tipo no catálogo de suas editoras.

Quem se aprofunda na comparação entre os livros de youtuber e os "para colorir" é Alessandra Gelman Ruiz, editora de aquisições da Sextante e da Arqueiro, que também apostam nessas celebridades da internet. "Vejo alguns pontos em comum como evento de mercado. O primeiro é ser enxergado como um fenômeno 'de crise', um tipo de publicação que todos correm atrás para fazer, já que as vendas em tese são mais garantidas e os riscos, menores. No caso do livro de colorir, pela produção ser mais barata e rápida e haver o interesse generalizado, assim como a exposição maciça nos pontos de venda. No caso dos youtubers, por eles já terem público comprador o suficiente para vendas significativas, assim como serem seu próprio canal de divulgação e influência. O segundo ponto é ser um fenômeno concentrado, com tempo de duração, exatamente por ser favorável quando se precisa minimizar riscos. O terceiro, infelizmente, não é tão positivo. Diz respeito à qualidade das publicações. Na ânsia de também surfar a onda, muitas editoras lançam de qualquer jeito, apressadamente, sem bom conteúdo, sem cuidado, comprometendo a reputação do próprio segmento e talvez ajudando a esgotá-lo".

Christian Figueiredo.

Christian Figueiredo.

E se hoje os livros de youtubers são o que os "para colorir" foram no em 2015, o momento de transição entre as duas modas pode ter sido a Bienal do Rio do ano passado. Como o UOL mostrou na oportunidade, obras como "Jardim Secreto" e "Floresta Encantada", ambos de Johanna Basford, chegaram ao evento carioca perdendo fôlego, com números de vendas já consideravelmente abaixo do que tinham alcançado alguns meses antes. Enquanto isso, dois nomes chamaram muita atenção pelo tanto que atraíram de fãs, justamente os youtubers Christian Figueiredo e Kéfera Buchmann, cujo livro foi o mais vendido daquela Bienal. Na oportunidade, até Paulo Coelho chegou a aconselhar a garota: "Bravo Kéfera! Agora vem troll frustrado, pseudointelectual incomodado, escritor sem leitor, mas vale a pena!", escreveu o mago em seu Twitter.

Tendência que já atingiu seu ápice?

Logo depois do estouro de Kéfera na Bienal do Rio, em entrevista ao UOL, Bruno Porto, publisher da Paralela, selo da Companhia das Letras que publicou o livro da youtuber, comentou sobre o fenômeno. Para ele, as publicações de livros do tipo são "absolutamente previsíveis e naturais, uma vez que elas ocupam um espaço cada vez maior na vida e na imaginação das pessoas, sobretudo dos jovens. Alguém se espanta com livros escritos por atores e cantores? Não. Então por que achar que personalidades que 'falam' com milhões de pessoas não têm histórias para contar?".

Alessandra concorda com esse discurso e, mais uma vez, ressalta o quanto esse tipo de obra é uma aposta segura para momentos financeiramente complicados. "Como os youtubers já possuem uma plataforma considerável, isto é, um enorme número de fãs, que se transformam instantaneamente em potenciais compradores de livros, eles tornam-se muito atraentes para editoras que buscam minimizar o risco de investimento em publicações. Em um ano de crise, quando há queda generalizada do movimento do varejo, contar com esse tipo de best-seller no catálogo pode ser a diferença para muitas editoras, principalmente se não há outros títulos bem-sucedidos contribuindo para o faturamento".

Maju Trindade.

Maju Trindade.

No entanto, segundo Sônia, a tendência talvez tenha atingido seu momento mais alto. "Como em toda nova moda, há os primeiros lançamentos, que ocupam um espaço maior, e depois vêm os seguidores, em maior quantidade, disputando um lugar ao sol. Acho que já atingimos o ápice. O problema é que, como todo mundo fica buscando surfar nesta onda correndo, acabam sendo lançados muitos livros sem a menor qualidade, saturando o mercado", comenta, indo ao encontro – até na escolha das palavras – do que Alessandra disse acima.

E esses livros e autores que dominaram a Bienal de São Paulo deste ano agregaram algo ao mercado – e ao meio literário, quem sabe – além do enorme volume de vendas? "Acho que o maior mérito é levar público para as livrarias em um ano de crise do varejo. Só isso já seria positivo. Mas acho que tem também um efeito colateral de crossmidia, atingindo também um público não leitor. Vai que esse pessoal comece a gostar de ler!", confia a presidente da Record.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.