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Receitas de bolos salvaram Marian Keyes, atração da Bienal, da depressão

Rodrigo Casarin

24/08/2016 10h38

keyes

Com mais de 30 milhões de exemplares vendidos pelo mundo, a irlandesa Marian Keyes será um dos principais nomes da Bienal do Livro de São Paulo, que acontece no pavilhão de exposições do Anhembi e vai desta sexta, dia 26, até o dia 4 de setembro – a escritora estará por lá no dia 28, às 11h. Ela é autora de livros como "A Estrela Mais Brilhante do Céu", "Sushi", "Los Angeles" e "Melancia", seu trabalho mais festejado, publicado originalmente em 1995 e que traz a história de uma mulher cuja vida vira de ponta cabeça quando, em meio ao parto de sua primeira filha, o marido anuncia que tem uma amante – a obra saiu no Brasil em 2003, vendeu mais de meio milhão de cópias por aqui e agora ganha uma nova edição, em capa dura, pela Bertrand.

melancia e salva pelos bolosFoi justamente "Melancia" que mudou a trajetória da vida de Marian. Antes de se tornar uma escritora consagrada, formou-se em direito mas, com o diploma em mãos, preferiu deixar a terra natal, mudar-se para Londres e trabalhar como garçonete. Em seguida, encontrou uma vaga em um escritório de contabilidade, no entanto, não era aquilo que queria para a vida. Com receio de ser uma pessoa frustrada no futuro, quase sucumbiu ao presente: teve problemas com o alcoolismo – ainda toma cuidados para se manter longe da droga -, flertou com o suicídio durante dois anos e passou uma temporada em uma clínica de reabilitação. Por volta dos 30 anos, mentiu para uma editora dizendo que possuía um romance na gaveta. Não tinha nada, na verdade, mas como a moça pediu para dar uma olhada no trabalho, correu para escrever em uma semana os quatro primeiros capítulos de "Melancia"; e garantiu um contrato para três livros que, claro, mudariam sua vida.

"Por ter enfrentado questões sérias em sua história pessoal, Marian foi capaz, como ninguém, de trazer para sua literatura o olhar e o sentimento de quem já passou e superou alguns 'lados negros' da vida. Com temas muito particulares ao universo feminino, suas heroínas são mulheres comuns, que passam por toda sorte de problemas, e com as quais as leitoras conseguem se identificar e conectar imediatamente, tamanho o sentimento de que 'isso poderia ter acontecido comigo' . Seus livros trazem uma curiosa mistura de comédia e tragédia, com temas que vão da depressão, abandono, vícios e doenças ao feminismo, dietas e luta contra a violência doméstica. Mas sempre como muito bom humor e uma dose certeira de otimismo, mesmo nas situações mais adversas", diz Ana Paula Costa, editora da Bertrand atualmente responsável por cuidar da obra da autora por aqui.

Em 2009, já com uma carreira de sucesso consolidada, o lado negro da vida alcançou novamente Marian, no entanto. Uma depressão a deixou praticamente paralisada – não dormia, não comia, não conseguia ler, tudo a amedrontava… Surpreendentemente, começou a melhorar quando descobriu a paixão por fazer bolos, tortas e cupcakes. Cozinhar virou uma distração, uma solução para seu problema e, claro, um livro: "Salva Pelos Bolos", outro que está sendo lançado pela Bertrand, no qual apresenta diversas receitas preparadas por ela mesma e conta um pouco de como a atividade a ajudou a superar a depressão.

Carina Rissi.

Carina Rissi.

A fã Carina Rissi

Não chega a surpreender que a autora de tantos livros com títulos que remetem à comida tenha encontrado a salvação na culinária. E o título preferido dos faz costuma mesmo ser um que remete à mesa: "Melancia". Tanto é que uma das escritoras de chick lit mais conhecidas do país que assina a apresentação dessa nova edição da obra: Carina Rissi, autora de "Mentira Perfeita" e "Perdida", dentre outros, e que aponta a Marian como uma de suas influências mais fortes. "Fico de queixo caído como ela faz parecer fácil fazer humor, como consegue abordar assuntos delicados como dependência química, depressão e violência doméstica com tanta sutileza, como sempre transmite uma mensagem positiva, de esperança. Vou te dizer, não é fácil fazer chick lit, não. Há uma linha tênue separando o bom humor da avacalhação. É preciso saber quando fazer graça e quando falar sério. E Marian é mestra nisso", diz Carina em entrevista ao blog.

No texto, a autora de "Mentira Perfeita" cita a vulnerabilidade de Claire, a protagonista, como um dos aspectos que mais lhe chama atenção na história de "Melancia". "Claire me comove em diversos momentos, um deles acontece logo no começo do livro, quando ela dá a luz. Caramba, acho que não existe um momento em que a mulher se sinta mais poderosa ou mais frágil. E então o marido de Claire acha que é boa ideia contar para ela que tem uma amante e que está indo embora de casa. Há outro momento também, lá para o meio do livro, onde Claire se sente culpada, com medo de criar a filha sem uma figura masculina por perto… é uma situação muito delicada. Mas é claro —como acontece na vida real —, são nestes momentos de vulnerabilidade que a Claire acaba descobrindo o tamanho da sua força", cita Carina.

Rafaella Machado.

Rafaella Machado.

Barreira do chick lit

Quem também é fã da autora é Rafaella Machado, hoje uma das editoras do Grupo Record, mas admiradora da irlandesa desde os seus 15 anos. "O que mais me cativou foi o senso de humor brilhante da autora, que transcende qualquer idade. As temáticas dos livros são sérias, como o fim de um casamento tumultuado, alcoolismo, a pressão em cima de uma mãe solteira que acaba de dar à luz e perder o marido numa tacada só. Mas de alguma forma, o senso de humor da protagonista é o fio condutor e o superpoder que possibilita a superação desses dramas", diz ela que tem como os livros favoritos de Marian "Férias" e, claro, "Melancia".
Aliás, de sua posição como editora, confrontando o estilo da irlandesa, Rafaella faz uma crítica ao mercado editorial.

"Me entristece ver esse tipo de literatura, denominada de 'chick lit' (ou literatura para mulheres) muitas vezes ser encarada como menor, como 'só mais um livro de mulherzinha'. O mercado cultural tem a tendência de diminuir a literatura de entretenimento, especialmente a literatura de entretenimento escrita por mulheres e voltada para o público feminino. Não é à toa que muitas autoras mulheres usam apenas as iniciais de seus nomes: JK Rowling, E.L. James etc. Mas isso é um cenário que está mudando, e precisamos mesmo de protagonistas fortes, como as de Keyes, para quebrar essa barreira".

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.