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Saci encontra Harry Potter: autor leva folclore à literatura fantástica

Rodrigo Casarin

20/07/2016 10h51

 

Foto: Léo Fonseca

Apaixonado por literatura fantástica, Gustavo Rosseb, hoje com 31 anos, andava um tanto desapontado por não encontrar toques brasileiros nos livros do gênero. Resolveu, então, criar a sua própria história explorando elementos do folclore nacional. Assim nasceu a série "As Aventuras de Tibor Lobato", uma trilogia juvenil que leva criaturas como Mula sem Cabeça, Saci, Pisadeira, Porca dos Sete Leitões e Gorjala para narrativas que muita gente compara com o universo de "Harry Potter" e "Desventuras em Série" – nicho semelhante ao já explorado por um outro autor brasileiro contemporâneo, aliás, Felipe Castilho.

CAPA-LIVRO-1-16x23 ALTANos dois primeiros livros da série, "O Oitavo Vilarejo" e "A Guardiã de Muiraquitãs", publicados pela Jangada – o inaugural já saiu também pela Patuá –, Tibor Lobato e sua irmã Sátir passam dois anos em um orfanato após perder os pais até que são reencontrados pela avó e levados para um sítio, onde farão amigos e de onde partirão para aventuras repletas de magia. O protagonista da trilogia, cujo derradeiro volume deverá sair em 2017, é uma homenagem explícita a Monteiro Lobato – outra referência evidente para a obra -, provavelmente o autor que melhor tenha explorado nosso folclore até aqui.

"Acredito que há um universo fantástico gigantesco em nossa cultura e que ele pode sim ser usado e revisto de milhões de maneiras diferentes. Sem ter nada a perder para mitologias de fora. Muito pelo contrário. Temos regiões diversas, pessoas e crenças diversas. Tudo em um vasto terreno que é nosso país. Isso é material de sobra pra o imaginário brincar como quiser. Trabalhar esses personagens e esse material todo de uma maneira lúdica como a literatura fantástica é uma forma de passar nossos valores adiante. Trazê-los à luz para, talvez, mudar alguma coisa. Despertar uma reflexão", acredita o autor.

CAPA-LIVRO-2-16x23 ALTARosseb conta que seu fascínio pelo folclore vem da infância, quando ouvia seus avós narrarem histórias de assombração bem diferentes daquelas que assistia no "Sítio do Pica Pau Amarelo". "Eram histórias daquelas que, depois de ouvir, não se consegue mais dormir. Pelo menos, não com a luz apagada". Assim cresceu fã de criaturas como a Pisadeira, uma bruxa que visita pessoas à noite para pisotear estômagos. "Trata-se de um folclore paulista que quase nenhum paulista conhece. Na verdade, eis aí uma lenda que já caiu em desuso. Que um dia serviu para assustar crianças que comiam demais a noite e tinham pesadelos por irem dormir de estômago cheio".

Seu personagem preferido, no entanto, é o Saci, tanto que tem um tatuado em seu braço. "Gosto muito da ideia desse ser de uma perna só e seu cachimbo. Ele é um símbolo. O símbolo. Ao dizer 'folclore brasileiro', ele é o cara que está no começo da fila. E é engraçado notar como, mesmo assim, pouco se trabalhou esse personagem até então, perto do tanto que ainda existe pra falar. Por exemplo: o folclore do Saci diz que essa criatura fica em gestação dentro do bambu por sete anos. E então ele nasce com 7 anos de idade… e morre com 77. Até então eu nunca tinha visto um Saci velho. Nas aventuras de Tibor Lobato é com um saci velho que eles tem de lidar. Como seria encontrar por aí um ser que passou a vida toda aperfeiçoando-se na arte de atazanar animais e pessoas?".

Foto: Igor Giroto

Foto: Igor Giroto

Para Rosseb, usar o folclore nacional na literatura é uma forma de gerar uma identificação mais assertiva com o leitor. "São histórias que falam um pouquinho de você, do seu dia a dia, de mim, de nossos pais, nossos avós, de algo mais próximo de nós. É uma forma de fazer a coisa perdurar, passar adiante. De entender mais nosso povo", argumenta.

Apesar do tom verde e amarelo da obra, evidentemente que o autor também tem suas referências estrangeiras, a começar por "Cavaleiros do Zodíaco", desenho que "amava assistir". Rosseb também elenca como obras fundamentais para a sua formação o próprio "Harry Potter", de J. K. Rowling, "As Aventuras do Caça Feitiço" de Joseph DeLaney, as séries "Os Guardiões" e "Os Guardiões da Infância" de William Joyce, "Jurassic Park" e "O Mundo Perdido" de Michael Crichton, "Pirapato" de Chico Anes, os filmes e roteiros de M. Night Shyamalan, como "O Sexto Sentido", "O Corpo Fechado", "Sinais" e "A Vila".

Por falar em cinema, aliás, os direitos da trilogia "As Aventuras de Tibor Lobato" já estão cedidos para a Parakino Filmes, que no momento trabalha no roteiro para a adaptação do primeiro livro da série. A ideia é que a história chegue às telonas no final de 2018.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.