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Para Kenneth Maxwell, quem vier para Olimpíadas levará má imagem do país

Rodrigo Casarin

30/06/2016 19h07

kenneth

Ao longo de quase 50 anos o inglês Kenneth Maxwell acompanhou o Brasil muito de perto. Em 1962 assistiu ao filme "Orfeu Negro" enquanto cursava História na Universidade de Cambridge, o que despertou sua curiosidade a respeito do país. Três anos depois chegaria aqui para fazer pós-graduação, estudar a constituição do Império e dar início à imersão tupiniquim que lhe transformaria em um dos principais brasilianistas do mundo.

Escreveu obras como "A Devassa da Devassa", "Brasil e Portugal 1750 – 1808" e organizou "O Livro de Tiradentes". Virou especialista na Conjuração Mineira e no Império português no século 18. Em Harvard, criou o Programa de Estudos Brasileiros da Universidade. Também foi diretor do Programa para a América Latina no Conselho de Relações Internacionais em Nova Iorque. Ou seja, é alguém que quando olha para o Brasil, tem propriedade para analisar nossa situação, e é isso que deverá fazer nesta sexta na Flip, onde comporá a mesa "Breviário do Brasil" com Benjamin Moser, norte-americano especialista na obra de Clarice Lispector.

Em conversa com o Uol, Kenneth – ele prefere ser chamado pelo primeiro nome – mostra-se bastante preocupado com nossa situação atual. "A crise que o Brasil está vivendo é extremamente grave e, como estamos bem no meio dos acontecimentos, não dá para saber muito bem o que vai acontecer, não dá para enxergar alguma saída", diz ele, que vê no próprio sistema político o motivo deste momento, o que o deixa um pouco reticente sobre como o país irá superar a celeuma. "Difícil acreditar que o sistema que está no poder mudará esse próprio sistema".

Não bastasse as questões políticas e econômicas, o brasilianista acredita que as Olimpíadas podem trazer mais problemas. "Nesse momento que o Brasil vive, quem vier para cá deverá ir embora com uma má imagem do país. Além disso, o terrorismo também me preocupa. O Brasil nunca foi foco disso, mas sempre que há grandes eventos assim a possibilidade de ataques precisa ser levada em conta, e não sabemos se as autoridades e a polícia brasileira estão preparadas para prevenir alguma situação".

Para Kenneth, algo deverá começar a mudar a partir de agosto, quando a presidente Dilma Rousseff será ou não retirada, de fato, do cargo. "Ainda é possível que ela volte. Tudo isso passando, as coisas começarão a ficar um pouco mais claras", confia. Além disso, ressalta alguns aspectos positivos da situação atual, como a aparente independência política de parte do sistema judiciário e a prisão de grandes políticos e empresários corruptos e corruptores.

O inglês, por fim, lembra que a crise no país não pode ser dissociada do que acontece em todo o planeta. "A crise não é só no Brasil, mas nos Estados Unidos, na Europa, na Inglaterra, na Rússia, na China, no Oriente Médio… Estamos no começo da mudança de placas tectônicas no mundo, aqueles momentos nos quais tudo se altera e não dá para saber o que vai acontecer".

Brexit

Há dois anos que Kenneth se aposentou e desde então vive em seu país natal. Recentemente, na consulta popular sobre a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, votou contra tal movimento. Só ficou sabendo que a maioria da população era a favor do "Brexit" no dia seguinte, justamente quando chegou ao Brasil. Achou o resultado "inacreditável".

"As duas partes fizeram uma campanha extremamente negativa. O discurso pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia foi totalmente islamofóbico e contra os imigrantes, inclusive contra os imigrantes da própria Europa, de países mais pobres do continente, principalmente do leste europeu. Quem votou pela saída foram pessoas que perderam seus trabalho e acham que a culpa é de quem veio de fora. Mas todos os especialistas de diversas áreas garantem que esse movimento será um desastre para o país".

Kenneth também lembrou que esse discurso de ódio é o responsável por Donald Trump ter se tornado uma possibilidade real para a presidência dos Estados Unidos e pelo crescimento da Frente Nacional, partido francês de extrema direita, por exemplo. "O conservadorismo e a direita estão se fortalecendo e ficando cada vez mais intolerantes", alerta.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.