O público da Flip gostaria de ver o poeta Michel Temer na festa?
Na coletiva de imprensa para divulgar a programação da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que começou hoje e vai até domingo, o curador Paulo Werneck justificou a ausência de mesas diretamente relacionadas a assuntos políticos dizendo que o foco do evento é tratar de literatura e que, no entanto, fatalmente a política permearia diversas conversas. Indo além, falou de forma irônica que "A Flip dialoga com o noticiário, mas não estamos aqui para reproduzi-lo. Se fizéssemos isso, talvez pudéssemos chamar o Michel Temer para uma mesa de poesia ". E será que o público da festa gostaria de ver o presidente interino na festa?
Temer é autor do livro "Anônima Intimidade", no qual apresenta poemas como "Trajetória" ("Se eu pudesse/ não continuaria") e "Compreensão Tardia" ("Se eu soubesse que a vida era assim,/ Não teria vindo ao mundo"). Lançado em 2013, a obra ganhou mais destaque pelo cargo político que o autor ocupa atualmente do que pelo reconhecimento aos escritos, tanto é que parte dos entrevistados para esta reportagem sequer sabiam que o atual mandatário também tem seu lado literato. Ainda assim, a maioria das pessoas ouvidas concorda com Werneck: durante a Flip, talvez Paraty – cidade que ainda está um tanto vazia nesse primeiro dia de evento – não seja o lugar mais simpático do país a Michel Temer.
A opinião que melhor define a situação de Temer hoje é a de Ecila Mabelini, 43 anos, professora de literatura e doutoranda pela USP, que entende ser complicado separar o lado escritor de sua figura pública. "Estamos vivendo e sentindo essa fase política, então são aspectos indissociáveis. Não conheço o trabalho dele como poeta e seria até bom ouvi-lo, mas, para o momento há outros nomes mais interessantes", diz ela, que também entende que talvez a presença do presidente interino até mesmo atrapalhasse a "aura" da cidade durante o evento. "Aqui é um lugar onde até conseguimos acreditar que essas coisas ruins que estão acontecendo uma hora irão passar".
A advogada Christina Bahbouth, 59 anos, é mais enfática. "Nem sabia que ele era poeta e aqui não é um ambiente para discussões essencialmente políticas, a não ser que isso esteja dentro da própria literatura. Eu não convidaria nenhum político, nem o Temer nem o Sarney [o senador José Sarney é autor, dente outros, de 'O Dono do Mar' e integrante da Academia Brasileira de Letras]". O chileno Francisco Barreza, 55 anos, escritor, também é direto: "O momento do país é tão delicado que ele precisa cuidar é da política".
Voz dissonante é a de Inês Gontija, artesã de 60 anos. "Se ele tivesse tempo na agenda, é claro que enriqueceria o debate a figura do presidente interino. Me encanta saber que ele é um poeta".
Mesa de abertura
A mesa de abertura da edição de 2016 da Flip, que homenageia a poeta Ana Cristina Cesar, autora de livros como "A Teus Pés" e "Cenas de Abril", finada em 1983, começou às 19h e conta com o também poeta Armando Freitas Filho, curador da obra da festejada, e o documentarista Walter Carvalho, responsável por um filme sobre a artista, com mediação do poeta Eucanaã Ferraz, organizador da fotobiografia de Ana.
Logo no começo de sua participação, Freitas Filho disse, exaltando a poesia, que "poeta é aquele que procura um modo de falar ou dizer o inesperado" e que a "poesia pode tocar coisas monstruosas, como o Temer, por exemplo", para aplausos da plateia. Carvalho, por sua vez, comparando a poesia com o cinema, lembrou que "na Paraíba, onde nasci, sempre que alguém diz alguma coisa interessante, o outro diz que 'é um poeta', mas nunca que é 'um cineasta'".
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