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Como é a vida na Coreia do Norte? Novos livros te levam além da fronteira

Rodrigo Casarin

18/06/2016 07h00

kim

Kim Jong-il, o atual ditador da Coreia do Norte.

Em 2012, o jornalista Blaine Harden lançou o livro "Fuga do Campo 14", no qual registra a vida do norte-coreano Shin Dong-hyuk, cuja trajetória é um grande exemplo dos descalabros que acontecem naquele que é o país mais fechado do mundo. Shin nasceu dentro de uma detenção que abriga presos políticos que são forçados a trabalhar até 15 horas por dia e sofrem com a fome e o frio. A única realidade que conhecia era aquela, na qual o ápice de brutalidade foi ter que assistir sua mãe e seu irmão sendo executados após uma tentativa frustrada de fuga. Shin foi um dos raríssimos casos de norte-coreanos que conseguiram driblar os fortes esquemas de segurança dessas prisões e deixar o lugar.

O registro disso tudo está no livro que se tornou uma referência àqueles que desejam conhecer um pouco mais da realidade da Coreia do Norte. O que há naquele país além de especulações nucleares, um líder que parece uma caricatura de si mesmo, 25 milhões de pessoas que vivem sob um forte regime de repressão e manipulação, fronteiras cerradíssimas e fome, muita fome (por conta das constantes crises que o isolamento do restante do mundo provoca, milhares de norte-coreanos morrem todos os anos simplesmente por não ter o que comer)? Se "Fuga do Campo 14" abria uma fresta para essa realidade, dois títulos recém-chegados ao mercado ajudam a compor um pouco mais do complicado quebra-cabeça que nos permite conhecer o que se passa, de fato, naquele território.

producaoEm "Uma Produção de Kim Jong-Il", de Paul Fischer, publicado pela Record, uma história que beira o surreal é resgatada. Para agradar Kil Il-sung, o então ditador local e um homem apaixonado por cinema, seu filho Kim Jong-il, o ditador atual, mandou que capangas sequestrassem o diretor Shin Sang-ok e sua mulher, a atriz Choi Eun-hee, dois exponentes do cinema sul-coreano. Por mais que pareça esdrúxula a solução de raptar artistas para forçá-los a produzir suas peças conforme os gostos questionáveis de Kim e Kil, a prática era corriqueira para diversas áreas.

O registro baseado em entrevistas com fontes diversas e relatos do casal, que conseguiu fugir da Coreia do Norte após longos anos alternando momentos de sofrimento com outros de apatia e descrença, também revela muito da situação social do país e da intimidade dos ditadores e suas contradições. Se o diretor se livrou da morte algumas vezes – após tentar fugir do país, foi mandado a um campo de trabalhos forçados, de onde também tentou em vão escapar, recebendo como punição um longo tempo na solitária –, também viu de perto alguns hábitos de Kil e Kim. Ambos são retratados como pessoas de humor instável e carentes. Enquanto o povo passava fome, gastavam dinheiro com as mais caras bebidas alcoólicas do mundo e obrigavam todos os presentes nas festas, algo como o "comitê oficial de puxa-sacos", a bebê-las – não fazê-lo seria um sinal de fraqueza. Amantes do cinema, importavam e mandavam legendar obras de todo o mundo que só eram exibidas em sessões privadas para os próprios ditadores; a população, evidentemente, não poderia ser "contaminada" pela vida que existia fora das fronteiras.

querido liderJá "Querido Líder", que saiu pela Três Estrelas, é o relato de Jang Jil-sung, que atuou no setor de operações secretas do país, para ser mais preciso, na Seção 5 (Literatura) da Divisão 10 (Poesia). Era ele um dos responsáveis por escrever peças propagandísticas que enalteciam o nome de Kim Jong-il. O cargo lhe permitia ter acesso a livros e jornais estrangeiros, o que o transformava em uma raríssima exceção relativamente bem informada no país e o colocava na lista dos privilegiados pelo ditador, podendo, provavelmente, frequentar as festas já relatadas.

No entanto, após emprestar um dos livros de acesso restrito a um amigo e este esquecer o volume no trem, Jang precisa fugir da Coreia – seria questão de horas até que os capangas do ditador descobrissem a falha que, fatalmente, iria lhe custar a vida. Consegue escapar e do exílio e escreve a obra na qual expõe as suas arrependidas memórias (envergonha-se de ter colaborado com aquele sistema) e registra fatos sobre Kim Jong-il e a respeito do cotidiano norte-coreano que se encaixam com o apresentado nas outras duas obras citadas.

Para quem quiser ainda mais visões sobre a ditadura norte-coreana, há opções como a graphic novel "Pyongyang", do ótimo Guy Delisle, que viveu um tempo, no começo deste século, na cidade enquanto acompanhava sua mulher, que atua no Médico Sem Fronteiras, o relato que a também dissidente Yeonmi Park faz em "Para Poder Viver" e o painel da vida de pessoas comuns norte-coreanas que a jornalista Barbara Demick busca montar em "Nada a Invejar".

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.