Sem negros e africanos, Flip peca na representatividade e diversidade
A organização da Flip divulgou hoje pela manhã a programação da principal festa literária do país, que neste ano acontece entre os dias 29 de junho e 3 de julho, em Paraty. Apesar de ótimas atrações, como o norueguês Karl Ove Knausgard e a bielorrussa Svetlana Alexievich, ao se olhar para os nomes que estarão nos debates do evento um fato é evidente: tudo está branco e europeu demais. Não há sequer um autor negro ou algum africano na programação e da Ásia o único representante é o sírio Abud Said (que vive em Berlim, vale lembrar).
O curador da Flip, Paulo Werneck, reconhece essa questão, mas diz que "infelizmente" nem todos os autores que convida aceitam participar da festa. "Passei quatro meses em negociação com o Mano Brown, por exemplo, tentamos a Elza Soares também, autoras africanas, mas tivemos respostas negativas. O que não fazemos é reservar um espaço para um negro, um asiático, uma mulher… Não funciona assim", disse ao falar sobre o assunto.
No entanto, a própria preocupação com a diversidade de gêneros na festa é um bom exemplo de como as outras diversidades poderiam ser tratadas. Em 2014, 38 homens e 9 mulheres compuseram as mesas do evento; em 2015, 32 homens e 11 mulheres; agora, neste ano, são 22 homens e 17 mulheres. "Há um compromisso de melhorar o índice da presença feminina na Flip e na cultura em geral", garantiu Paulo. Nesse caso, a busca pela pluralidade é uma bola dentro da curadoria, que deveria levar esse mesmo olhar cuidadoso para as outras possibilidades de representatividade.
Em que pese esse problema, também é preciso reconhecer que a programação deste ano está bastante boa. Se faltam africanos ou asiáticos e sobram europeus, também temos a sempre bem-vinda presença de autores latino-americanos, como a peruana Gabriela Wierner e a mexicana Valeria Luiselli. A atenção com a poesia, que promete ser o norte de diversas mesas, é outro acerto, a melhor forma de lembrar Ana Cristina Cesar, a homenageada da vez.
Na não ficção teremos grandes atrações. Svetlana, claro, é a maior delas, seja pelo seu ótimo "Vozes de Tchernóbil", recém-lançado por aqui, seja pelo Nobel de Literatura que recebeu no final do ano passado. Nessa linha do jornalismo, a mesa com Caco Barcellos ("Rota 66" e "Abusado") e Misha Glenny ("McMáfia") deve se concentrar em temas como a violência urbana e o tráfico de drogas, assuntos que costumam atrair bastante atenção do público da Flip – como ficou comprovado no ano passado, quando Ioan Grillo e Diego Osorno falaram sobre esses temas para uma grande plateia dentro e fora da Tenda dos Autores.
No campo dos ensaios, expectativa para a mesa entre Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector e organizador de "Todos os Contos", coletânea de textos breves da autora que a colocou no centro do cenário literário dos Estados Unidos, e crítica Heloisa Buarque de Holanda. Finalmente, na ficção, além do papo com Karl Ove, a conversa entre Bill Clegg (que estreia no romance depois de "Noventa Dias" e "Retrato de um Viciado Quando Jovem") e Irvine Weish ("Skagboys") deve render bons momentos.
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