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Editora completa 115 anos publicando desde filósofos até calendário cristão

Rodrigo Casarin

30/03/2016 11h38

Michel Foucault,

Michel Foucault, "Folhinha do Sagrado Coração de Jesus" e Mario Sergio Cortella,

Livros sendo produzidos para suprir demandas específicas, normalmente de escolas ou igrejas. Se alguém quer um exemplar, o pedido precisa ser feito e o volume provavelmente demorará alguns meses para chegar pelo correio. Livraria? Pouquíssimos sabem o que é isso. Aliás, sequer há um mercado realmente organizado para o comércio das publicações.

Jean-Paul Sartre.

Jean-Paul Sartre.

Era mais ou menos esse o cenário do setor livreiro no país há 115 anos, bem no comecinho do século 20, quando a Editora Vozes iniciou as suas atividades. A casa, uma das mais antigas do país, comemora a expressiva marca mostrando que não está datada. Se nomes importantes da história fazem parte de seu catálogo, como Michel Foucault, Jean-Paul Sartre e Immanuel Kant, contemporâneos de peso também compõem seu time, como Leonardo Boff, Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho.

A Vozes nasceu arraigada ao catolicismo e ligada aos Franciscanos, mas chegou aqui publicando também obras de outras áreas de humanas. "É preciso ter uma missão bem clara e se manter fiel a ela, mas estar permanentemente antenado no cliente e nas mudanças no mercado. Para manter um negócio por tantos anos, é fundamental entender como em cada período a organização irá cumprir sua missão, focando mais nas necessidades da sociedade, e não em como manter sua estrutura de negócio", diz Teobaldo Heidemann, coordenador nacional de vendas da editora, ao falar sobre o que uma empresa centenária tem a ensinar.

Clóvis de Barros Filho.

Clóvis de Barros Filho.

"Folhinha do Sagrado Coração de Jesus"

Ao esboçar um paralelo entre o setor editorial de hoje e aquele de 115 anos atrás, Heidemann diz ser quase impossível encontrar semelhanças. "Podemos dizer que aquele mercado era uma reprodução da sociedade da época". Como exemplo, cita a própria produção dos livros, antes feitas de maneira completamente artesanal, com impressão tipográfica, etapa que hoje é totalmente digitalizada. "Devemos entender nossas práticas dentro do contexto tecnológico atual", aponta.

Com relação ao comércio dos livros, Heidemann enxerga algumas fases distintas. A primeira grande mudança nesse aspecto foi o surgimento das livrarias nos centros das cidades, modelo vigente até os anos 90, quando os estabelecimentos começaram a mudar para os shoppings, que se popularizaram sobremaneira. "Houve uma migração da força de venda das livrarias de rua, normalmente geridas por família, para os novos centros de consumo, agora geridos por grandes grupos de varejo", analisa.

No entanto, a terceira grande mudança nesse mercado já tem contornos claros. "Neste mesmo período, assistimos o advento da venda pela internet e o avanço dos grupos internacionais entrando no mercado brasileiro em 2010, com a popularização dos leitores digitais, o surgimento dos e-books", diz.

Voltando à trajetória da Vozes, Heidemann afirma que a empresa tem motivos bem distintos para se orgulhar. Se durante a ditadura publicaram textos em defesa dos direitos humanos e da democracia, como "1964: A Conquista do Estado", de René Armand Dreifuss, de 1981, por exemplo, também produzem livros de catequese e, há 77 anos, a "Folhinha do Sagrado Coração de Jesus". "Ela está não só nas casas de classe média, mas também nas favelas e nas casas de taipa", argumenta o coordenador.

Tragédia recente

Além buscar se adaptar aos novos tempos do mercado, a Vozes também está tendo que superar uma recente tragédia. No começo deste mês, o frei Antônio Moses, então presidente da casa, foi morto a tiros enquanto dirigia seu carro na Rodovia Washington Luís, perto de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Ele tinha 75 anos e a suspeita é que tenha sido alvejado em uma tentativa de assalto.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.