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Verba para livro de Claudia Leitte daria para lançar 10 novos autores

Rodrigo Casarin

19/02/2016 14h34

Por meio de sua produtora, a Ciel, a cantora Claudia Leitte havia solicitado ao Ministério da Cultura (MinC) a captação de R$540 mil por meio da Lei Rouanet para que fizesse um livro que teria uma entrevista inédita sua, fotos, cifras das músicas e mais alguns materiais. Não conseguiu todo o montante, mas foi liberada para tentar levantar R$356 mil reais junto a empresas, que depois poderiam abater o valor doado à artista por meio de renúncia fiscal.

Porém, nos últimos dias o caso ganhou notoriedade e foi escorraçado pelo público em geral. Pessoas entendem, com razão, que a celebridade em questão não precisa da ajuda do governo para conseguir viabilizar qualquer iniciativa. Percebendo o insucesso, logo os proponentes disseram que já tinham desistido de produzir tal livro, mesmo tendo a anuência da Rouanet. Mas não culpo nem Ciel e nem Claudia Leitte por terem proposto o projeto. Cada um tem direito de pedir ao MinC o que bem entende. A culpa é do MinC em aprovar algo que jamais precisaria de uma força governamental para existir.

Apesar do livro da cantora já ter sido abortado, a discussão a respeito disso é pertinente e essencial, pois os casos de projetos semelhantes aprovados pela Rouanet são recorrentes. Em 2011, Maria Bethânia pôde captar mais de R$1,35 milhão para fazer um blog de poesias. Em 2014, Luan Santana, cantor que já fazia sucesso, pediu ajuda do governo para que realizasse um turnê e obteve cerca de R$4,1 milhões. A própria Claudia Leitte, em 2013, também já havia conseguido levantar mais de R$5,8 milhões para que realizasse shows. Isso só para ficarmos em poucos exemplos.

Mais uma vez, o problema não está nesses nomes pedirem ajuda, mas no MinC conceder o apoio. Em um país com produção cultural centralizada como é o nosso, caberia a uma iniciativa como a Rouanet privilegiar projetos de gente que só conseguiria viabilizar iniciativas culturais caso realmente obtivesse esse tipo de ajuda. Escritores em início de carreira, músicos e cineastas independentes, pequenos grupos teatrais…

Para se ter uma ideia do que seria possível fazer com os R$356 mil que concederam para o livro de Claudia Leitte, conversei há pouco com dois editores que publicam obras de reconhecida qualidade artística. Com o montante, Simone Paulino, da Nós, poderia lançar mais de dez títulos de literatura brasileira contemporânea ou ao menos seis obras infantis, contratando alguns dos melhores ilustradores do país, com tiragens de 2.000 exemplares. Já Vanderley Mendonça, do selo Demônio Negro, que opta por tiragens baixas, de algumas dezenas ou poucas centenas de unidades para cada livro, poderia colocar no mercado cerca de 250 novos títulos.

Falando de livros e de arte, garanto que a literatura nacional ganharia muito mais caso essa verba estivesse na mão de Simone, Vanderley ou de inúmeros outros editores. É muita coisa boa que deixa de circular por falta de dinheiro. Acontece que o processo para submeter um projeto aos pareceristas da Rouanet não é nem um pouco fácil, e digo isso por experiência própria.

Quando trabalhava em uma editora, tentei, junto de alguns colegas, obter financiamento coletivo para uma série de livros. Em vão. Passamos meses procurando entender e vencer a burocracia kafkiana. Inúmeros documentos são solicitados – muitas vezes sem deixar claro se as cópias precisam ser autenticadas -, as regras parecem feitas muito mais para levar as pessoas a desistirem do que para facilitar e deixar o processo mais transparente e o detalhamento do valor solicitado é extremamente minucioso – algo que acho sim necessário, mas como saber quanto será gasto em uma passagem aérea que talvez só seja emitida daqui dois anos, por exemplo?

Torna-se quase obrigatório contratar uma empresa especializada que cuidará do projeto para que ele se encaixe nos padrões da lei – cobrando para tal uma parte do montante arrecadado, evidentemente. Ou seja, dor de cabeça suficiente para fazer com que muita gente desista de tentar emplacar suas ideias ou sequer pense em procurar a Rouanet. Sem ter a quem recorrer, artistas e pequenas empresas, como editoras, acabam ficando mais uma vez longe dessas verbas.

E qual a solução para tudo isso? O próprio governo começou a trilhar um bom caminho no começo deste mês, quando o Tribunal de Contas da União proibiu que recursos da Lei Rouanet apoiem projetos com "potencial lucrativo". Em nota sobre esse último episódio envolvendo Claudia Leitte, o MinC também informou que aguarda a aprovação do Senado para o Projeto de Lei que institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura), que, segundo a entidade, "proporcionará a implantação de políticas públicas de financiamento à cultura mais adequadas às atuais demandas e expectativas da sociedade por meio da descentralização dos recursos e da democratização do acesso aos mecanismos de incentivo, com definição de critérios públicos para análise dos projetos".

No entanto, é preciso ainda mais. É fundamental que não só a Rouanet, mas todas as leis de incentivo estejam, de fato, mais acessíveis não só aos chamados produtores culturais, mas à população em geral. Só quando qualquer pessoa conseguir, sem grandes entraves, propor um projeto e os pareceristas terem o discernimento de perceber a diferença que há entre um livro com entrevista e fotos da Claudia Leitte e um pedido de oportunidade para que um escritor consiga enfim publicar o seu primeiro livro – ou viabilizar um projeto mais audacioso e artisticamente relevante, que seria impossível sem esse tipo de auxílio – que essas ferramentas de apoio à cultura serão realmente úteis aos artistas que mais precisam delas.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.