Harper Lee deu nó na cabeça de quem ainda acreditava em heróis
A escritora norte-americana Harper Lee morreu há pouco, aos 89 anos, com apenas dois livros publicados. "O Sol é Para Todos", sua obra de estreia, de 1960, já era suficiente para colocá-la no hall dos grandes nomes da história literária dos Estados Unidos. Vencedor do Prêmio Pulitzer de 1961, o título é narrado por uma pequena garotinha que, dentre outras coisas, conta a história de seu pai, o advogado Atticus Finch, defensor de um inocente homem negro acusado de estupro.
Lançado numa época que o país vivia uma forte segregação social, vendeu mais de 30 milhões de cópias, foi venerado justamente por tratar do embate entre negros e brancos e transformou Atticus em espécie de herói nacional, servindo de inspiração para que pais batizassem seus bebês e exemplo para advogados e escritórios de advocacia.
O segundo livro veio somente em 2015, mesmo com a autora já vivendo em um asilo e, para Charles Shields, seu principal biógrafo, sem condições de consentir com a publicação da obra, que, ainda segundo ele, só chegaria ao público graças a uma manipulação de editores e da advogada de Lee. Mas o fato é que "Vá, Coloque um Vigia" fez um sucesso absurdo. Superou em pouco tempo a marca de 1 milhão de exemplares vendidos e desbancou da lista dos best-sellers livros como "Grey", da série "Cinquenta Tons de Cinza".
A história de "Vá, Coloque um Vigia" – primeiro livro que a autora escreveu, ainda que tenha sido o segundo a ser publicado – se passa 20 anos depois daquela contada em "O Sol é Para Todos" e nos traz novamente alguns personagens apresentados em 1960, como o próprio Atticus. Acontece que no título lançado em 2014, o advogado idolatrado e homenageado por uma geração de leitores pela defesa que fez do negro acusado injustamente de estupro aparece como um sujeito racista e simpático ao nazismo.
Essa reviravolta na personalidade de Atticus revoltou, compreensivelmente, muitos leitores, principalmente aqueles que usaram o nome do advogado para batizar os filhos, e incomodou diversos críticos, que não viram sentido na mudança de postura do personagem. No entanto, a mensagem, proposital ou não, que Harper Lee deixa com isso é bastante clara: não existem heróis. Ninguém tem uma vida irrepreensível. E é melhor não cultivar idolatrias, nem mesmo por pessoas fictícias.
Em tempo, recomendo que também vejam a crítica de Diego Assis para a obra da autora.
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