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Autor que Saramago “quis bater” explora a “narrativa do olhar” em livro

Rodrigo Casarin

25/11/2015 10h20

 

gonalo

Textos pequenos, que raramente ultrapassam uma página – de um livro também pequeno, com dimensões de um pocket – e que funcionam como brevíssimas cenas de um filme. É essa a ideia de "Short Movies", de Gonçalo M. Tavares, lançado em 2011 em Portugal, onde vive o autor que nasceu em Angola, e que agora chega ao Brasil pela Dublinense.

shortmovies280"São fragmentos de pequenos filmes que não tem começo e nem exatamente final, são suspensos antes que acabem Não sabemos como as histórias terminam, então qualquer coisa pode vir a acontecer", diz o escritor ao UOL sobre os quase 70 textos que compõem a obra. Neles o autor age como um atento e minucioso observador de pequenas cenas cotidianas que muitas vezes flertam com o banal ou o absurdo, como alguém entrando em uma mercearia onde vê o poster de Marilyn Monroe ou um fotógrafo que registra cenas de uma mulher louca.

"No livro há uma questão muito importante que são os ângulos, os pontos de vista. A câmera é o narrador e ele se desloca observando, descrevendo os pés, os gestos das mãos, os olhos de uma pessoa, por exemplo… Muitas vezes nada acontece, apenas o deslocamento desse ponto de vista. É uma espécie de narrativa da observação, do olhar, que mostra como isso muda nosso entendimento das situações", explica o escritor – veja ao final um desses fragmentos de "Short Movies".

Aos 45 anos, Tavares tem uma produção bastante vasta. São mais de trinta e cinco livros, publicados em cinquenta países, nos quais explora gêneros como poesia, conto, romance e teatro. Com "Jerusalém", um de seus principais trabalhos, ganhou o prêmio Portugal Telecom – atual Oceanos – de 2007 e, antes disso, o José Saramago de 2005, quando o próprio Saramago, ao lhe entregar a honraria, disse: "Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos, dá vontade de lhe bater".

Sobre a composição desta já vasta obra, diz escrever sem saber exatamente onde quer chegar. "Escrevo à galope, numa grande velocidade, mas essa primeira versão fica como matéria bruta. Depois deixo essa escrita quase animal de lado para voltar a ela com um olhar racional mais tarde. Aí trabalho até transformar essa matéria bruta no texto final. Muitas vezes há um intervalo de sete, oito anos entre a escrita e a publicação de algo".


"O Lixo", de Gonçalo M. Tavares, um dos fragmentos de "Short Movies"

No livo, procuram-se alimentos.
A mãe tem ajuda da pequena filha.
Encontram um rádio e ficam contentes. E quem passa não percebe. Procuravam comida e aquilo, o que elas encontraram, não se come.
Mas o certo é que, como se levassem um banquete escondido debaixo da roupa, a mãe e a menina fugiram dali, muito rápido.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.